A memória e as cidades (I)

Buenos Aires

Estávamos perdidos e com fome e mal-humorados. Passava das três da tarde quando encontramos uma pequena rotisseria. Eu me lembro claramente do proprietário apontando para o balcão e dizendo: “Tudo o que temos são estas codornas em escabeche”. Nunca me esqueci do sabor daquelas codornas frias, nadando em azeite e vinagre, servidas com pão rústico e uma taça de vinho.

Veneza

Caía a tarde e minha filha precisava jantar. Fugimos do menu turístico que assola todos os restaurantes e encontramos uma deliciosa sopa de feijão. A criança tomou metade da sopa e os adultos disputamos a colheradas o que sobrou. Mas a melhor lembrança que temos de Veneza não é dessa sopa de feijão, mas do limoncello que Peter Karady nos pagou na nossa lua-de-mel.

São Francisco

Cheguei sozinho, às 23:30, após atravessar a California de carro em oito horas, com uma única parada para ir ao banheiro, comprar uma Coca-Cola e um pacote de batatas fritas. O único local aberto próximo ao hotel era uma lanchonete do Subway. Mas o hotel era em frente ao Farmer’s Market, e no dia seguinte meu café da manhã foi um sanduíche de porchetta. Eu moraria naquele mercado.

Odense

O café da manhã mais estranho foi em Odense, na Dinamarca. Chegamos num domingo às onzes horas, feriado nacional, após as doze horas de voo até Amsterdã, conexão até Copenhagen e mais duas horas de trem. Exaustos, encontramos tudo fechado. O único estabelecimento aberto na cidade morta era uma sorveteria.

Paris

Na primeira vez,  fiquei hospedado em um Formule 1 muito distante do centro. Passei a manhã procurando uma flauta para meu irmão e um martelo de ortopedista para uma amiga. Virei uma esquina, meio sem saber onde estava, e me deparei com a Torre Eiffel. Respirei fundo. Paralisei. Me recordo de procurar um telefone público e ligar entusiasmado para minha irmã. Por mais que me esforce não consigo me recordar da primeira refeição.

***

Há dias não me saíam da cabeça as codornas de Buenos Aires. Comprei codornas congeladas – o pacote vem com quatro – e deixei marinando em meia garrafa de vinho branco, muitos dentes de alho, cenoura em rodelas grossas, manjericão, tomilho, louro, um pedaço de cebola e pimenta do reino.

No dia seguinte, sequei bem as aves, salguei e dourei na manteiga. Despejei o líquido da marinada na panela, acrescentei um gole de vinagre e cozinhei por uns vinte minutos. Deixei descansando na geladeira para concentrar o sabor por 24 horas.

Então comprei um bom pão, abri um vinho e quando provei as codornas me lembrei de todas essas cidades.

umlitrodeletras

One Comment

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *