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Azia como ninguém

Embarco hoje às 21:00 para Salvador. Devo chegar perto da meia-noite. Apesar das ótimas opções de restaurante, como o Amado ou o Paraíso Tropical, o cansaço vai vencer a gula. Sexta à noite, sozinho em restaurante, pode ser meio deprimente. Ainda mais quando você vai no dia seguinte, de terno e gravata, dar uma palestra na Costa do Sauípe.

Qual será a opção do jantar? No hotel, um restaurante com nome estranho. No cardápio, tem peixe à Belle Meunière acompanhado de número imprevísivel de “L”, crases e acentos agudos. Moqueca e vatapá tem? Tem, é só descongelar.

Felizmente tem misto quente. Tem Coca-cola, tem. Tem azia como ninguém.

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Cardápios de hotel Brasil afora

Afinal, o que é essa obsessão das cozinhas de hotéis com peixe à Belle Meuniere? Cardápios de restaurante de hotel —  desconfio de todos. Claro que não estou falando do Ritz em Paris… mas de todos os hotéis executivos que conheço andando pelo Brasil.

As opções são sempre restritas. E quando você chega tarde, é obrigado a calcular o que será menos danoso para o seu estômago. Canja de galinha é sempre uma opção. Mas muitas vezes está insuportavelmente salgada e rescendendo a puro caldo de galinha Knorr.  A segunda opção é o misto quente. Mas a receita hors concour de qualquer cardápio é o Peixe a Belle Meuniere.

Sem uma Larousse Gastronomique à mão, tentei uma pesquisa no Google e na Wikipedia. A Wikipedia ensina que a receita original é com linguado, e que o peixe tem que ser salteado e desossado à mesa.  Ahã.

No Mercure em São Luis do Maranhão (esta cidade ainda é uma ilha, cercada de peixes por todos os lados, certo?) cobram R$ 40,00 por um filé de pescada preparado à essa moda da bela moleira. Numa véspera de feriado em um hotel vazio, não quis arriscar um peixe congelado e mal preparado. Fui de beirute light (R$ 18,00). Só comi porque estava com muita fome. O pão branquelo que não sabia a nada, e um queijo e peito de peru frios.

Cheguei hoje em Petrolina, PE, às 23:45, após um vôo com três escalas e sessenta adolescentes em férias. No check-in, o recepcionista avisa: “A essa hora, só servimos lanches”. Pedi um sanduíche boiadeiro – “filet”, queijo coalho, cebola a doré, batatas fritas, por honestos R$ 7,00. Ao menos tem queijo coalho. O cardápio é aquele samba do crioulo: tem milk-shake, tem frango ao molho mornay, tem camarão a la grega  (sic), no qual os camarões são preparados à milanesa e o arroz é à grega, e (evidentemente!)  surubim à belle meuniere. E não poderia deixar de notar um prato que me lembra a infância – frango à cubana.

Mas e a bela moleira? Não me consta que o Brasil tenha sido um dia pródigo em moinhos e belas moleiras que preparavam peixe com alcaparras. É um mistério como essas receitas se reproduzem. Acho que Escoffier continua entre nós, prestando consultoria Brasil afora.

E agora com licença, que a sobremesa é “frutas tropicais”.


Atualização em 23/03/2011
Desde que escrevi este texto, é raro uma semana em que não apareça nas estatísticas do blog alguém que digitou “receita de peixe belle meunière” no Google e acabou parando aqui. Continuo espantado com o interesse por esse prato.

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Cozinhando para amigos

Namorados

Gosto dos jantares calmos de domingo. Uma única taça de vinho para dividir entre dois — por que sujar mais louça? Um pouco de arroz, um ovo frito com a gema mole. Torradas com o pão do café da manhã. Um resto de salada que cochilou a tarde toda na geladeira. Um naco de carne, eco do almoço ruidoso, também ali para dividir. Planos e bocejos para segunda-feira, para a semana. Num jantar de domingo o amor fica ali na mesa, rodeia a fruteira, assenta-se silencioso enquanto os garfos tinem nos pratos.

Num jantar de domingo o amor fica ali rodeando a mesa. Pés com meia se roçam sob as cadeiras. Planos para o mês, para o ano. Lista de compras, o café está acabando. Um chá. Cobertas quentes.

Acorda-se cedo, ganha-se o pão, troca-se a mês. No domingo seguinte, dois pratos, uma taça de vinho. Sonhos, planos, lista de compras. O açúcar está acabando. O amor não, está ali, concreto, fragrante e palpável.

***

Ontem, dia dos Namorados, comemoramos o namoro de outros. Tânia e Valter fizeram 25 anos de casados. Na festa, família e alguns amigos. E o amor ali, concreto, fragrante e palpável.

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Nomes de Restaurantes

Amanhã Azul

O que esperar de um restaurante chamado “Amanhã Azul”? Será um caso flagrante de problemas com a vigilância sanitária? Coma hoje, como rápido, servimos a preços baratos, mas amanhã você pode acordar azul.

Ou o “Amanhã Azul” é um restaurante temático, inspirado nas calotas polares e na possibilidade de uma nova era glacial e na nova configuração da ordem alimentar mundial. Serve plâncton, algas e krill. Eu sempre quis comer krill.

Ou então: para uma segunda-feira cinzenta em São Paulo, a 15 graus de temperatura, o “Amanhã Azul” é uma promessa de dias melhores. Sabemos que hoje é segunda-feira, o dia será duro. Mas amanhã será azul.

Amanhã Azul
Rua Dr. Renato Paes de Barros, 427. Tel: 3079-1191

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Ler mal e comer bem

Por que a tapioca tem que duelar com a tortilla? Por que o ratatouille tem que ser inimigo da caponata? Fico incomodado com as chamadas de duas matérias do caderno Paladar, do Estadão de hoje. Uma delas, resenha de um livro de Hamilton Mellão e Yann Corderón, ainda a ser publicado, outra com Neide Rigo e Lourdes Hernández dividindo o fogão para preparar tortillas e tapiocas.

Este tipo de chamada, que coloca comida num ringue,  e utiliza um vocabulário bélico, só serve para infantilizar o leitor, reproduzindo um maniqueísmo tolo, preso a um paradigma de século XIX, de afirmação de nacionalismos ufanistas, em que é necessário provar que o prato que vem de um lugar é melhor que outro. Quando muitas vezes a origem é comum e perdida no tempo.

Qual a finalidade de se preciso reduzir questões interessantes a falsas oposições? Não acredito que isso torne a matéria mais didática. Ou a palavra “guerra” serve para vender mais? Pode ser que seja o caminho editorial mais fácil. Mas aí seria preguiça.  Prefiro acreditar que um caderno que é referência no assunto não precise deste tipo de expediente.

Não há motivo para que italianos sejam melhores que franceses ou nordestinos melhores que holandeses. Eu prefiro viver num mundo, e sou feliz de viver em uma cidade, em que posso comer bom sushi num dia, e almoçar um caldo de mocotó espetacular num dia seguinte.

Sim, o mundo é feito de diferenças, mas as diferenças são complementares, e é isso que traz riqueza para tudo – na ciência, na arte e na gastronomia.

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Cozinhando para amigos

Pão: o ingrediente infalível

Hoje é domingo, e acordei às 6:45 para fazer pão. Sovei o suficiente para dois pães. Quando cresciam, lembrei que tinha esquecido o açúcar, o sal e o óleo. Procurei o que tinha por perto para poder reformá-los. Rechei um deles com um restinho de queijo minas e salame da padaria. O outro, com um pesto feito na hora.  Não contente, fiz dois outros pães, prestando atenção aos ingredientes.

Às sete da noite fiz uma sopinha para a Lívia. A nossa brincadeira ritual é ela perguntar se estou fazendo a mesma sopa que a vovó fazia para mim quando eu era pequeno. E não importa qual seja a sopa, sempre respondo que sim. Ao final do prato de sopa, ela pediu um pedaço de pão para molhar no caldinho.

E desistiu de molhar, falando que o pão estava bom daquele jeito mesmo, “purinho”. Eu agradeci dizendo que fico muito contente por ela gostar do meu pão. Ao que ela respondeu: “é que você põe no pão um ingrediente que me faz feliz.”

Qual o ingrediente mesmo que eu tinha esquecido de por?

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Reflexão

Criatividade é fruta madura que cai do pé

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Peixe, Tuju

 

A prova da criatividade do cozinheiro é a surpresa do comensal. Você prova o quiabo com camarão da Roberta Sudbrack e indaga: “Como alguém não tinha pensado nisso antes?” Experimenta o chibé da Mara Salles, e se intriga: “Quem poderia ter pensado numa forma tão delicada de servir?” Almoça no Tuju e se pergunta: “Como recriar o cardápio o todo dia” e manter o frescor das ideias?

Roberta Sudbrack disse há algum tempo que detesta quando perguntam sobre seu processo criativo. Que para ela, não existe um processo, mas o fluir da idéia – a fruta que, de madura cai do pé, não importa a hora. Coitado de quem estiver embaixo na hora errada.

Carlos Alberto Dória, por sua vez, lembrou que o fluir das idéias não é assim tão anárquico e que somente o trabalho árduo de investigação de uma mente curiosa é o que garante a criatividade.

A persistência é um dos traços mais comuns a artistas e inventores. Thomas Edison dizia que cada insucesso nos seus projetos não era de fato um insucesso, mas um passo a mais em direção à solução correta. E que na verdade, não tinha falhado, mas descoberto 1.000 maneiras diferentes de como uma determinada coisa não funcionava.

Um dos meus modelos preferidos de criatividade é o proposto por Theresa Amabile, da Universidade de Harvard. A professora defende que a criatividade ocorre na convergência de três dimensões. A primeira delas é a motivação; a segunda, o expertise em um determinado domínio de atuação. E a terceira é aquela que comumemente identificamos como capacidade criativa, aquilo que faz as pessoas pensarem de maneira diferente, olharem as coisas do avesso (Amabile chama de “creative thinking skills”). Sem a confluência dessas três dimensões, o processo criativo falha.

Por exemplo: um cozinheiro motivado e competente, mas que não questiona as verdades estabelecidas, vai apenas reproduzir eternamente os mesmos pratos. Já um cozinheiro motivado e questionador, mas sem habilidades técnicas e intimidade com os ingredientes, só vai produzir bobagens. E um cozinheiro questionador e competente, mas desmotivado – bom, é melhor esse pendurar os Crocs, porque sem paixão não há criação.

*****

Atualizei este post para lembrar que dia 29/02, às 20:00, no Centro Universitário SENAC, o especialista em criatividade Conrado Schlochauer, o chef Ivan Ralston do Tuju e o chef Jaume Biarnés, da Fundação Alícia, na Espanha, farão um debate sobre criatividade na cozinha. Conrado, que também é doutor em educação, ensinará técnicas para o desenvolvimento da criatividade e Ivan Ralston contará sobre o seu processo de criação de pratos.

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Reflexão

Vergonha de ser gostosa

Conheço muitas pessoas que adoram comer. Que palpitam de emoção pensando na próxima refeição. Conheço também muita gente que come qualquer gororoba – que exclama “Delícia!!!” para qualquer doce muito doce ou qualquer salgado repleto de glutamato. Conheço umas poucas pessoas que comem para viver – aquelas que ficariam muito mais felizes se a comida viesse em pílulas e não sujasse a louça.

Quase todas têm alguma noção sobre o valor nutricional dos alimentos. Sabem que precisam evitar excesso de gordura. Que é bom comer fibra. Que não é bom comer muita fritura. Que é bom comer salada. Sabem tudo o que o Globo Repórter apresenta periodicamente como a dieta para a eterna juventude.

Mas não conheço ninguém, ninguém mesmo, que olhe para o prato e diga: “Que máximo! Óleo essencial de enxofre, acido fólico e potássio. E veja: ainda tem vitamina C e polifenós – garçom, por favor, você pode colocar uma porção extra de polifenóis? Sou louco por eles!”

Por isso meu espanto ao ver o anúncio do Arábia estampado no caderno Eu&Fim de Semana do jornal Valor Econômico, em 29 de janeiro. A foto é de uma salada fatuch – o pão estalando, o pepino e o rabanete crocantes, a alface fresquinha e brilhante. Tão bem tirada que dá água na boca mesmo reproduzida na baixa qualidade de papel de um jornal.

Mas aprendo com o texto do anúncio que o rabanete é estimulante da digestão e boa fonte de vitamina C. O molho de sementes de romã é rico em vitamina A, C e E, potássio, ácido fólico e polifenóis; antibiótico e antiinflamatório natural (e eu nem estou gripado). As folhas de hortelã têm propriedades analgésicas, digestivas, refrescantes, descongestionantes, antiinflamatórias e desodorantes (sempre uso quando vou ao restaurante).
Em resumo, a salada é praticamente uma farmácia empratada. Poderia fazer parte do Drugstore Week – um multivitamínico, um descongestionante e um desodorante pelo módico preço de um prato executivo. A lógica do anúncio é decompor o prato em seus nutrientes. Eliminar o prazer da refeição e concentrar-se nos benefícios para saúde. Essa lógica, denunciada por Michael Pollan em “Em Defesa da Comida”, ignora que um alimento é algo mais vivo do que o conjunto de nutrientes, que uma refeição é um acontecimento maior do que um encontro entre um comensal e um prato.

E eu, que faço parte do grupo que sempre está pensando com prazer na próxima refeição, termino o anúncio sem a mínima vontade de consumir aquela salada. Prefiro comida que não tenha vergonha de ser gostosa.

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Cozinhando para amigos

Aos 38, 20

De repente eu me dei conta que 2010 não era só um ano que se iniciava, mas uma década inteira que terminava. E que essa década, mais a anterior, somavam vinte anos que passei em São Paulo. É claro que, quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi. Nem a dura poesia concreta da USP, nem porque as pessoas tomavam café da manhã na padaria, e não em casa, ou porque café com leite se chamava média.

Instalado em uma pensão na R. Minas Gerais, minha primeira lembrança gustativa da cidade era uma ausência: doce de abóbora. Em casa, a rotina era chegar do cursinho, almoçar e ir para o quarto, não sem antes pegar uma colherada de doce de abóbora na geladeira (“lava essa colher antes de pegar de novo senão azeda, menino!”). Aqui, eu era a própria Clarissa esperando a “pecegada” da mãe.

Na pensão, sempre havia duas opções para o almoço. Com exceção das quartas-feiras, em que os hóspedes só tinham direito a carne assada. Se quisessem comer feijoada, que atraía muitos comensais externos, tinham que pagar extra. Acho que acabei nunca experimentando esse prato por lá. A rotina mudou quando, dois anos depois, aluguei meu primeiro apartamento. Minha primeira compra, quando o salário melhorou, não foi uma moto, nem um aparelho de som. Foi um freezer.

Nesses vinte anos, casei, ganhei uma filha, fiz um mestrado, construi uma carreira. Ainda erro o tempero da comida, não acerto fazer pão direito e só agora meus bolos estão saindo fofinhos. Mas se a dissertação de mestrado contar como livro e alguns pés de manjericão contarem como árvore, dá para para arriscar dizer como o Neruda – confesso que vivi.

E quis reviver esse período juntando na minha festa de aniversário amigos de todas as épocas. Os que vieram para São Paulo comigo. Os que conheci no primeiro dia de aula. Os que conheci mês passado via internet. Os alunos. Os professores. Os chefes.

Tarde de sábado de 20 de fevereiro. Muito calor, e todos aqui para uma (obviamente!) feijoada. Não tinha como cantar parabéns sem fazer um discurso. Agradecer a todos pela caminhada. Pelo aprendizado. Aos 38 de idade, vinte de São Paulo. Cheguei aqui pesando 64 quilos. Hoje levo uns vinte a mais. Mas me falaram que um homem sem barriga é um homem sem história. E a minha, ora, são apenas uns litros de letras a mais.

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A comida do rei

Lula seria um Luís XIV tropical, de acordo com uma coluna de Marcelo de Paiva Abreu na Folha de São Paulo, dada a concentração de poder político na sua figura hoje e desejo de perpetuação do seu reinado, ops, mandato.

A corte de Luís XIV era famosa pelos seus banquetes. A alimentação na corte já sofria uma grande transformação desde meados do século XVII. Abandonou o uso de lampreia, baleia, pavão e cisne em favor de carnes como  boi, vitela e carneiro, e aves em geral, multiplicou as variedades de frutas e vegetais, inventou o método champenoise para produção de espumantes e viu a introdução do café, do chá e do chocolate. Além disso, é nesse período que La Varenne publica Le Cuisinier Français, que rompe com o receituário da Idade Média e começa a sistematizar e estruturar o preparo da comida a partir de bouillons e fonds que serviam como alicerce dos outros pratos.

Por coincidência, a mesma edição da Folha (11/01/10) reproduz em uma matéria o edital de compra das despensas presidenciais. Entre outros itens, o Palácio do Planalto vai consumir uma tonelada e meia de queijo, 727 quilos de presunto e 160 quilos de salaminho. Laranja: Duas toneladas e meia. Abacaxi: 850 unidades. A lista ainda inclui mamões, melões e melancias.

O edital ainda segue com outros itens como requeijão, iogurte, muito pão de queijo e 44 quilos de salsicha. Pelos itens, fico imaginando que esta comprinha seja algo básico, para dar conta do dia-a-dia, e não para os banquetes presidenciais. Ou será que Lula chamou o Ahmadinejad para comer um cachorro-quente com suco de cupuaçu?

É sempre bom lembrar que a cozinha do Palácio do Planalto já deixou muita gente impressionada, durante o mandato de FHC, quando os jantares eram executados pela brilhante Roberta Sudbrack, que agora reina absoluta na cozinha do RS, no Rio de Janeiro.

Luís XIV, no final de seu reinado, cansou de muita pompa e se mandou para o castelo de Marly, onde servia jantares mais íntimos sem sequer a presença de criados para servi-lo. A mesa já fica posta, com os pratos, taças, água e vinho.

Nosso Luís vai gastar R$59.313,72 apenas com água mineral. Curiosamente, não há limões no edital do presidente. Ou ele já fez de todos uma limonada, ou talvez prefira sua água pura, como a bebem os passarinhos. Afinal, já dizia o Mario Quintana, “aos que atiram pedras pelo meu caminho, digo a todos que vocês passarão…”.