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Cozinhando para amigos

Quando a vida lhe der limões

Quando eu contei no Twitter que ia participar do programa da Ana Maria Braga, todos os amigos ficaram curiosos, e prometeram assistir ao programa na segunda-feira, dia 28.

Acontece que eu nunca disse que ia aparecer no Mais Você. Eu disse que ia participar. E no final das contas, a minha participação acabou sendo transmitida na sexta-feira passada.

Era uma vez um livro que eu ganhei que tinha receitas tradicionais do Brasil, e particularmente uma receita de doce de limão galego em que a polpa é retirada e a casca mantida intacta. Cobicei aquele doce.

Alguns anos depois, encontrei o doce de limão numa loja na entrada da cidade de Pirinópolis, em Goiás. Comprei um vidro, comemos devagarinho. Minha mãe também trouxe para mim um outro vidro de doce comprado em Goiânia, mas não era tão bom.

No começo desse ano, o Flavio Federico, um dos mais experientes chefs confeiteiros de São Paulo, comentou comigo que era difícil arrumar limões galegos verdes em São Paulo. Eu viajei para o interior e descobri, no sítio do vizinho da minha avó um pé carregado de limões verdes. Colhi umas três dúzias e trouxe para o Flavio.

No meu aniversário, o Flavio trouxe alguns vidros aqui para casa. E ainda tive a honra de ele bater um chantilly fresquinho com a batedeira que eu carinhosamente chamo de vintage (a empregada já perguntou se tudo que tem fita isolante pode ser chamado de vintage).

Quem assistiu o “Mais Você” na sexta-feira, no terceiro programa da série sobre chocolates, viu o Flavio entregando um vidro do doce para a Ana Maria. (por volta do minuto 10 nesse vídeo em que o Flavio explica como fazer trufas).

Eu nunca disse que ia aparecer, eu só disse que ia participar…. colhendo os limões. Moral da história: quando a vida lhe der limões, não faça limonada. Faça uma piada com os amigos. E entregue os limões para alguém competente.

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A minha horta foice

O hortelã-audrey que diz: "Feed me!"
Você liga o Globo Rural e te ensinam a plantar uma hortinha em casa. Você abre o caderno Paladar do Estadão, e uma das recomendações para 2011 é “Plante uma horta caseira”. No Natal, você ganha de presente o livro do Michael Pollan e ele recomenda: “Coma mais vegetais, de preferência da sua própria horta.” Você começa a se preparar para voltar ao trabalho, lê os relatórios de tendências para a década, e os ambientalistas estão lá no topo da lista: “Coma mais vegetais, plante uma horta caseira.” Você assiste o último jornal da noite e tem alguém explicando como é simples fazer uma horta em casa ou até mesmo apartamento.

Finalmente, você procura no Google “como plantar horta em casa” e encontra 13.400 entradas. O universo exige uma horta. Você compra todo o aparato necessário. Sorte de principiante: todas as ervas crescem e ficam viçosas.

E aí tem um problema que ninguém, ninguém te explica como lidar: o que eu faço com aquele monte de cebolinha? O hortelã que ameaça pedir usucapião da sua varanda? O manjericão que nem disfarça e cresce mesmo com você olhando? O pé de tomate eu coloquei na sacada do quarto para vigiar melhor.

No primeiro dia foi lindo ter manjericão pra salada. No segundo, foi bom. No terceiro, eu já estava sonhando achando que era uma pizza margherita. Já usei cebolinha em todos os pratos. Não ficou nada bom no mingau de aveia. E agora tudo em casa é decorado com hortelã. Até o meu escritório.

Alguém me disse: faça pequenos maços e distribua para as pessoas. Você e elas ficarão felizes com esse gesto gentil. Então cheguei no escritório. Terno, gravata, gel no cabelo e uma bucólica cesta de ervas. Olhei para os lados e me dei conta: ninguém, ninguém aqui cozinha diariamente. E tem gente que nem sabe o que é tomilho. Disfarcei e disse que a cesta era para trazer um pouco de natureza para a firma.

E agora, com toda essa chuva em São Paulo, não posso sair de casa. Não, a rua não está alagada. É o pé de hortelã que impede a saída (durante a noite ele assistiu a “A Pequena Loja dos Horrores” e agora está gritando: “Feed me!”).

Acho que vou tomar um chá. E procurar um delivery de foice.

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Namorados

Gosto dos jantares calmos de domingo. Uma única taça de vinho para dividir entre dois — por que sujar mais louça? Um pouco de arroz, um ovo frito com a gema mole. Torradas com o pão do café da manhã. Um resto de salada que cochilou a tarde toda na geladeira. Um naco de carne, eco do almoço ruidoso, também ali para dividir. Planos e bocejos para segunda-feira, para a semana. Num jantar de domingo o amor fica ali na mesa, rodeia a fruteira, assenta-se silencioso enquanto os garfos tinem nos pratos.

Num jantar de domingo o amor fica ali rodeando a mesa. Pés com meia se roçam sob as cadeiras. Planos para o mês, para o ano. Lista de compras, o café está acabando. Um chá. Cobertas quentes.

Acorda-se cedo, ganha-se o pão, troca-se a mês. No domingo seguinte, dois pratos, uma taça de vinho. Sonhos, planos, lista de compras. O açúcar está acabando. O amor não, está ali, concreto, fragrante e palpável.

***

Ontem, dia dos Namorados, comemoramos o namoro de outros. Tânia e Valter fizeram 25 anos de casados. Na festa, família e alguns amigos. E o amor ali, concreto, fragrante e palpável.

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Pão: o ingrediente infalível

Hoje é domingo, e acordei às 6:45 para fazer pão. Sovei o suficiente para dois pães. Quando cresciam, lembrei que tinha esquecido o açúcar, o sal e o óleo. Procurei o que tinha por perto para poder reformá-los. Rechei um deles com um restinho de queijo minas e salame da padaria. O outro, com um pesto feito na hora.  Não contente, fiz dois outros pães, prestando atenção aos ingredientes.

Às sete da noite fiz uma sopinha para a Lívia. A nossa brincadeira ritual é ela perguntar se estou fazendo a mesma sopa que a vovó fazia para mim quando eu era pequeno. E não importa qual seja a sopa, sempre respondo que sim. Ao final do prato de sopa, ela pediu um pedaço de pão para molhar no caldinho.

E desistiu de molhar, falando que o pão estava bom daquele jeito mesmo, “purinho”. Eu agradeci dizendo que fico muito contente por ela gostar do meu pão. Ao que ela respondeu: “é que você põe no pão um ingrediente que me faz feliz.”

Qual o ingrediente mesmo que eu tinha esquecido de por?

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Aos 38, 20

De repente eu me dei conta que 2010 não era só um ano que se iniciava, mas uma década inteira que terminava. E que essa década, mais a anterior, somavam vinte anos que passei em São Paulo. É claro que, quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi. Nem a dura poesia concreta da USP, nem porque as pessoas tomavam café da manhã na padaria, e não em casa, ou porque café com leite se chamava média.

Instalado em uma pensão na R. Minas Gerais, minha primeira lembrança gustativa da cidade era uma ausência: doce de abóbora. Em casa, a rotina era chegar do cursinho, almoçar e ir para o quarto, não sem antes pegar uma colherada de doce de abóbora na geladeira (“lava essa colher antes de pegar de novo senão azeda, menino!”). Aqui, eu era a própria Clarissa esperando a “pecegada” da mãe.

Na pensão, sempre havia duas opções para o almoço. Com exceção das quartas-feiras, em que os hóspedes só tinham direito a carne assada. Se quisessem comer feijoada, que atraía muitos comensais externos, tinham que pagar extra. Acho que acabei nunca experimentando esse prato por lá. A rotina mudou quando, dois anos depois, aluguei meu primeiro apartamento. Minha primeira compra, quando o salário melhorou, não foi uma moto, nem um aparelho de som. Foi um freezer.

Nesses vinte anos, casei, ganhei uma filha, fiz um mestrado, construi uma carreira. Ainda erro o tempero da comida, não acerto fazer pão direito e só agora meus bolos estão saindo fofinhos. Mas se a dissertação de mestrado contar como livro e alguns pés de manjericão contarem como árvore, dá para para arriscar dizer como o Neruda – confesso que vivi.

E quis reviver esse período juntando na minha festa de aniversário amigos de todas as épocas. Os que vieram para São Paulo comigo. Os que conheci no primeiro dia de aula. Os que conheci mês passado via internet. Os alunos. Os professores. Os chefes.

Tarde de sábado de 20 de fevereiro. Muito calor, e todos aqui para uma (obviamente!) feijoada. Não tinha como cantar parabéns sem fazer um discurso. Agradecer a todos pela caminhada. Pelo aprendizado. Aos 38 de idade, vinte de São Paulo. Cheguei aqui pesando 64 quilos. Hoje levo uns vinte a mais. Mas me falaram que um homem sem barriga é um homem sem história. E a minha, ora, são apenas uns litros de letras a mais.

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Onde não se mede a saudade pela latitude

Da varanda, víamos o sol desmaiado refletindo nos prédios. Vicente, o mais bebê das crianças, ainda sorrindo, já tinha os olhos pesados de sono. As outras corriam pela sala enquanto as mães conversavam. O DVD já há algum tempo repetia continuamente a vinheta de abertura.

Na cozinha, coloco água a aquecer para o café e o Marcelo cuida da louça. Rodrigo, o gaúcho da turma, comenta que da próxima vez faremos um churrasco. Sobre o fogão, a farofa, o pernil ainda pela metade, alguma pouca salada murcha. E a calda perfumada que sobrou da compota da kinkan. Marcelo fita a calda com um olhar comprido de mineiro querendo alguma coisa.

– Um desperdício jogar fora esta calda. Ela ficaria perfeita em cima de um “bolim”…

Quase como mágica, eu abro o armário e tiro três muffins de goiabada que eu fizera no dia anterior. Marcelo corta os muffins, despeja a calda.

Sentamos à mesa e olhamos em volta, para nossas mulheres lindas e nossas crianças que vão crescendo. Lembramos dos nossos pais, espalhados pelo Brasil de norte e sul, ou morando em outras terras, onde a distância já não se mede pela latitude, mas pela saudade.

O café está servido. Feliz Dia dos Pais.

Bolinho com calda de laranja
Marcelo e Rodrigo atacam os muffins