Conheço muitas pessoas que adoram comer. Que palpitam de emoção pensando na próxima refeição. Conheço também muita gente que come qualquer gororoba – que exclama “Delícia!!!” para qualquer doce muito doce ou qualquer salgado repleto de glutamato. Conheço umas poucas pessoas que comem para viver – aquelas que ficariam muito mais felizes se a comida viesse em pílulas e não sujasse a louça.
Quase todas têm alguma noção sobre o valor nutricional dos alimentos. Sabem que precisam evitar excesso de gordura. Que é bom comer fibra. Que não é bom comer muita fritura. Que é bom comer salada. Sabem tudo o que o Globo Repórter apresenta periodicamente como a dieta para a eterna juventude.
Mas não conheço ninguém, ninguém mesmo, que olhe para o prato e diga: “Que máximo! Óleo essencial de enxofre, acido fólico e potássio. E veja: ainda tem vitamina C e polifenós – garçom, por favor, você pode colocar uma porção extra de polifenóis? Sou louco por eles!”
Por isso meu espanto ao ver o anúncio do Arábia estampado no caderno Eu&Fim de Semana do jornal Valor Econômico, em 29 de janeiro. A foto é de uma salada fatuch – o pão estalando, o pepino e o rabanete crocantes, a alface fresquinha e brilhante. Tão bem tirada que dá água na boca mesmo reproduzida na baixa qualidade de papel de um jornal.
Mas aprendo com o texto do anúncio que o rabanete é estimulante da digestão e boa fonte de vitamina C. O molho de sementes de romã é rico em vitamina A, C e E, potássio, ácido fólico e polifenóis; antibiótico e antiinflamatório natural (e eu nem estou gripado). As folhas de hortelã têm propriedades analgésicas, digestivas, refrescantes, descongestionantes, antiinflamatórias e desodorantes (sempre uso quando vou ao restaurante).
Em resumo, a salada é praticamente uma farmácia empratada. Poderia fazer parte do Drugstore Week – um multivitamínico, um descongestionante e um desodorante pelo módico preço de um prato executivo. A lógica do anúncio é decompor o prato em seus nutrientes. Eliminar o prazer da refeição e concentrar-se nos benefícios para saúde. Essa lógica, denunciada por Michael Pollan em “Em Defesa da Comida”, ignora que um alimento é algo mais vivo do que o conjunto de nutrientes, que uma refeição é um acontecimento maior do que um encontro entre um comensal e um prato.
E eu, que faço parte do grupo que sempre está pensando com prazer na próxima refeição, termino o anúncio sem a mínima vontade de consumir aquela salada. Prefiro comida que não tenha vergonha de ser gostosa.
E eu adoro uma salada Fatuch!! Essa moda de transformar comida em remédio é um saco.
A comida pode até ser saudável, mas a principal qualidade dela não é ser gostosa?
Lindo, lindo.
E como disse o Katsuki, tudo o que é frito é melhor.
Viva a comida deliciosa seja ela uma bela salada, uma barriga de porco ou um triplo milk shake.
Eu gosto de comida gostosa, bonita, cheirosa, em pequenas quantidades e servidas numa mesa bem posta… hummmm, acho que vou tomar um leite e comer um pão sirio crocante antes de dormir, boa noite!
Sabe o que é mais triste? Saber que veremos cada vez mais anúncios desse tipo…
Abaixo a comida-remédio! Viva o Food Porn!
Aqui na rotisseria há pais que proíbem os filhos de comer um brigadeiro. A criança fica olhando…já nem pede mais.
Oferecer uma prova de um sorvete pode ser motivo de repreensão da mãe: “ele não come açucar”.
Outro dia elogiei um pai por sentar com a filha de 4 anos e ficar observando a menina enquanto ela se lambuzava com um bolinho de chocolate. Eu e ele ficamos felizes observando o prazer da criança.
Daqui a pouco vamos fazer comida a partir de receituário médico. Mousse de maracujá vai ser tarja preta…
Esqueci de dizer…a foto assim como está, com aquelas flechinhas saindo da salada…me lembrou uma autópsia…ô dó…
Ha Ha Ha… autópsia é engraçado. Eu vou voltar ao assunto num próximo post e vou usar esse termo.
Oi Sandro
Tem um texto no site da Minha Avó que eu gostaria que você lesse e comentasse. Passa pros seus contatos o nosso site, se puder (e quiser, claro).
Também coloquei o mesmo texto no meu blog pessoal http://www.impressoesdeontem.zip.net
Abração, e o Tampopo já está na loja. Pode pegar amanhã…belo filme pra assistir com um talharim ao molho de funghi e um Cabernet..
Abs
Roberto
Pois é, essas informações já as temos quando vamos fazer compras de hortifruti (ou pela leitura anterior ou pelas plaquinhas muitas vezes expostas junto aos alimentos). O anúncio realmente tira toda a graça da salada que por si só já se apresenta nutritiva. E a fatuch do Arábia é deliciosa!
Amei o humor ácido, a transparência e a indignação!
àpara lá que ele levará uma garota misteriosa que conheceu remexendo numa lata de lixo àprocura da comida.