Jantei no Santceloni, restaurante de Santí Santamaria em Madri há dois anos atrás. Espremido entre um vôo cansativo e uma reunião de trabalho, consegui uma reserva de última hora e ainda arrastei uma colega de trabalho (que quase nos fez perder a reserva porque precisava passar no hotel para trocar o sapato).
No menu degustação, porções delicadas de pescados e legumes sem maquiagem, disfarces ou piroctenias. Da refeição, me lembro ainda de um doce de abacaxi em calda servido na sobremesa. E da imensa variedade de queijos que chegam numa mesa, trazida por dois garçons. No Brasil, a concepção mais aproximada de seu trabalho é a Roberta Sudbrack, pelo trabalho de ourivesaria de seus pratos.
Santí buscava a essência em cada prato, e passou boa parte dos últimos anos polemizando com a cozinha tecnoemocional de Ferran Adriá. No seu livro “A Cozinha a Nu”, faz uma defesa apaixonada da cozinha artesanal, tradicional, baseada em produtos de qualidade. Lembro desse livro cada vez que me encontro perguntando porque me ponho, cansado, a sovar um pão ou fazer molho de tomates para minha família. Santí diz que cozinhar em casa, hoje em dia, é um ato revolucionário, porque toda a estrutura social está montada para que você não cozinhe. A revolução, às vezes, não tem fogo nem fumaça (nem espuma). É só trabalho duro mesmo.
Autor: umlitrodeletras
Pra dizer que não falei das flores

Elas chegaram de repente, e trouxeram uma felicidade enorme para minha experiência agrícola de apartamento. Eu sei que que isso acontece com flores, já tinha até visto fotos nos livros. Mas tipo urbano que sou, esperava – sei lá – uma planilha de planejamento que previsse, um SMS ou DM que anunciasse o fato.
O pé de laranjas kinkan chegou em dezembro, meio tímido; deve ter estranhado o local e a companhia. Faltam-lhe outros pés de laranja para trocar confidências. O pé de romã ao seu lado é muito pequeno, quase criança, nem se lembra da viagem. O pé de jabuticaba se emudeceu por um tempo, se desfolhou com as chuvas, e só agora acena com novos brotos para o pezinho de laranja.
Eu tenho acordado às 6:00 da manhã para trazer água, conversar um pouco. Já tive algumas discussões com as ervas – essas têm um gênio mais forte, querem dominar o espaço. Dei um corte logo de cara e aprenderam a me respeitar (o pé de hortelã anda meio ressabiado, querendo saltar pra fora do vaso, desde que tivemos um briga porque ele não queria me deixar sair de casa).
Nesse horário, o sol está nascendo no horizonte, ou para situar melhor no plano da astrogeografia, por trás dos prédios da zona oeste de São Paulo. Sempre gostei desse momento da manhã, em que o dia ainda está cheio de possibilidades e não se sabe o que vai brotar. Logo mais, tudo é muito claro, a luz aplana todas as possibilidades e o dia se torna realidade.
Foi numa dessas manhãs que elas chegaram, e me trouxeram uma felicidade imensa. Urbano que sou, não sei direito sua língua. Fico por perto, e tento não atrapalhar seu trabalho. Nem tudo são flores na nossa amizade. Nessa manhã, vieram acompanhadas de um alguém maior. Espalhafatoso, só o zumbido já derrubava as pétalas mais frágeis no chão. Mal humorado, me perseguiu casa adentro, eu em carreira desabalada. As abelhinhas pequenas parecem não se importar com as fotos. Já o pequeno filho de helicóptero que me perseguiu não é amigo de paparazzi.
Ah, as flores. Esqueci de falar delas. Perfumadas. Delicadas. Deixam cair as pétalas que já revelam o milagre de uma laranja brotando. Quando se forem, sentirei saudade das abelhas, que andam se fartando por aqui. Quem virá depois para apreciar os frutos? As manhãs são tão cheias de possibilidades.
(Atenção: gostaria de avisar que pequenos sabiás, pardais e colibris são bem-vindos. Gaviões, falcões e filhotes de caça supersônico devem assinar um termo de cessão de direitos de imagem).
A minha horta foice

Você liga o Globo Rural e te ensinam a plantar uma hortinha em casa. Você abre o caderno Paladar do Estadão, e uma das recomendações para 2011 é “Plante uma horta caseira”. No Natal, você ganha de presente o livro do Michael Pollan e ele recomenda: “Coma mais vegetais, de preferência da sua própria horta.” Você começa a se preparar para voltar ao trabalho, lê os relatórios de tendências para a década, e os ambientalistas estão lá no topo da lista: “Coma mais vegetais, plante uma horta caseira.” Você assiste o último jornal da noite e tem alguém explicando como é simples fazer uma horta em casa ou até mesmo apartamento.
Finalmente, você procura no Google “como plantar horta em casa” e encontra 13.400 entradas. O universo exige uma horta. Você compra todo o aparato necessário. Sorte de principiante: todas as ervas crescem e ficam viçosas.
E aí tem um problema que ninguém, ninguém te explica como lidar: o que eu faço com aquele monte de cebolinha? O hortelã que ameaça pedir usucapião da sua varanda? O manjericão que nem disfarça e cresce mesmo com você olhando? O pé de tomate eu coloquei na sacada do quarto para vigiar melhor.
No primeiro dia foi lindo ter manjericão pra salada. No segundo, foi bom. No terceiro, eu já estava sonhando achando que era uma pizza margherita. Já usei cebolinha em todos os pratos. Não ficou nada bom no mingau de aveia. E agora tudo em casa é decorado com hortelã. Até o meu escritório.
Alguém me disse: faça pequenos maços e distribua para as pessoas. Você e elas ficarão felizes com esse gesto gentil. Então cheguei no escritório. Terno, gravata, gel no cabelo e uma bucólica cesta de ervas. Olhei para os lados e me dei conta: ninguém, ninguém aqui cozinha diariamente. E tem gente que nem sabe o que é tomilho. Disfarcei e disse que a cesta era para trazer um pouco de natureza para a firma.
E agora, com toda essa chuva em São Paulo, não posso sair de casa. Não, a rua não está alagada. É o pé de hortelã que impede a saída (durante a noite ele assistiu a “A Pequena Loja dos Horrores” e agora está gritando: “Feed me!”).
Acho que vou tomar um chá. E procurar um delivery de foice.
Exatamente um mês depois da entrega dos prêmios (e coincidentemente um dia após o anúncio da venda do restaurante), volto ao Pomodori para experimentar o meu prato favorito: a mezzaluna de leitoa com lentilhas. Pergunto ao garçom se o prato estava saindo bem após a premiação – sim, está vendendo bem, diz ele.
O prato tem o mesmo sabor, mas a massa está cozida demais, assim como o ravióli pedido por quem me acompanhava. Por esse mesmo motivo, ninguém votou no raviolini de coelho do Picchi. Quando eu o provei para o prêmio, parecia mais uma declinação de pontos de cocção: havia raviolinis quase crus, uns poucos no ponto e vários passados. A falta de regularidade é uma das maiores deficiências que o prêmio Paladar expõe. Imagino que seja também um dos maiores desafios de todo restaurante, desde a obtenção do ingrediente até a formação de mão de obra, seja para a cozinha ou para o salão.
Ao contrário de outros jurados, não tive nenhuma questão séria com atendimento que me incomodasse a ponto de virar uma história aqui (lembrando sempre que este prêmio pede a avaliação exclusivamente do prato, e não do serviço ou outros itens da casa).
Entretanto, é impossível deixar de observar como a maior parte do serviço é mecânica. Cortês, porém com um sorriso medido e distante. Como comensal, a minha busca é, em primeiro lugar, por boa comida. Mas hospitalidade é o grande trunfo de um restaurante. Encontrei hospitalidade no Izakaya Issa, onde todos os comensais pareciam estar na cozinha da casa de Dona Margarida. Encontrei hospitalidade no Gero, onde o maitre se desdobrou para propocionar um lugar confortável para a minha filha de cinco anos que dormia, com a casa completamente cheia num sábado à noite. A mesma situação gerou tensão no Jun Sakamoto, embora houvesse lugares vazios no balcão num feriado com a cidade deserta. Encontrei interesse pelo comensal no Tre Bicchieri, onde o garçom cordial e atento notou minha dúvida ao consultar as sobremesas, e me ofereceu uma sobremesa fora de cardápio, preocupando-se depois genuinamente em perguntar se eu havia gostado.
Gostar de um prato é um julgamento que mesmo baseado em alguns cânones (o ponto, o equilíbrio, etc) tem um componente inseparável de subjetividade. E depois de comer, comparar, pensar e sopesar, ainda existe um desafio e responsabilidade de encontrar a palavra certa para transmitir ao leitor o que ele irá encontrar em sua refeição.
A boa comida é auto-evidente e se descreve sozinha no prato e no paladar. Não deixa dúvida da sua força de expressão. A experiência de comer e pensar é a de traduzir para o comensal que busca a crítica gastronômica o que o prato queria dizer. Mas esta tradução, como todas, é sempre aproximada. Podem-se gastar litros de letras, mas no final da refeição, só mesmo o próprio comensal decide o valor do seu diálogo. A língua é mais ou menos conhecida, mas cada conversa depende de quem está a volta e em cima da mesa.
(a pedidos, o texto que escrevi para o Paladar)
Já na sala de embarque, de partida para as férias, leio as regras para o Prêmio Paladar 2010. Minha refeição mais imediata seria o jantar da Lufthansa. De longe, o aroma fazia adivinhar o indefectível carne com molho, acompanhada de legumes e arroz com ervilhas – prato suspenso no espaço e no tempo, que tenta agradar a alemães e brasileiros, peruanos e chineses. A carne tinha um tempero mínimo mas bom sabor. Era, entretanto, fibrosa, denunciando o ingrediente de segunda classe. O arroz insosso tinha ervilhas que davam um pouco de cor à apresentação e uma certa graça na textura, com seu plóct plóct plóct. Os legumes, abobrinha e cenoura, estavam al dente em meu prato, mas muito moles no prato ao lado. Raspei o pão no molho globalizado, e fiquei aguardando a próxima escala, esta sim, em restaurante de verdade em Madri.
Na categoria Pratos Vegetarianos, as duas melhores escolhas eram o Arroz Negro Tostado com Legumes Verdes do D.O.M e o Cuscuz de Mini-Verduras do Maní. A Panelinha de Legumes da Brasserie do Jacquin foi o prato mais intragável de todo o prêmio – a escolha da sua foto para a chamada de capa do Estadão no dia da publicação dos resultados é, para mim, um mistério editorial. Afinal, nem era bonito como estava ali. Fiquei com o Cuscuz, e guardei meu entusiasmo para a categoria Carne Suína.
O javali do D.O.M era impecável, mas não atendia à minha regra essencial para selecionar um prato: voltaria feliz para comer o mesmo prato no dia seguinte. Neste momento, o Lobo Mau se deparou logo com o cochinillo do Arola. E estava convicto de que esse prato seria o vencedor, até me ver frente a frente com a bisteca do Le Jazz. No fim das contas, empate. Não havia nenhum elemento nos pratos que pudesse fazer a minha escolha pender para um ou para outro. Minha decisão? Um voto “ideológico”, que o Heitor e Cícero não entenderam, mas o Prático aprovou: entre um prato pequeno que custa R$ 54,00 e uma refeição farta por R$ 34,00, achei que o leitor do jornal merecia saber que em São Paulo ainda é possível comer bem por um preço razoável. Convicções derrubadas por um sopro.
No mesmo Le Jazz, a raposa, que já conhecia o Ovo Mollet da casa, contava com uma boa possibilidade de vitória. Pena. O ovo chegou com a gema cozida, e ovo mollet com gema cozida não é ovo mollet. É outra coisa. Outros jurados apontaram para outros pequenos problemas da casa, o que parece mostrar que ali há mesmo uma questão séria de regularidade.
Mas, de volta à entrada, os destaque da categoria eram as Vieiras Frescas do Alaska do Jun Sakamoto e o Ovo Pochê do Emiliano. Mais um empate. Do ponto de vista gastrônomico, dois pratos perfeitos, que correspondiam ao meu critério principal: voltaria para comer. E novamente, recorri a um desempate por outro critério. Pense bem: ou as vieiras são frescas, ou são do Alaska. Nem o Google Maps consegue calcular a distância entre o Alaska e o Brasil. Num momento em que a tendência é valorizar ingredientes locais, mais frescos e com uma pegada ecológica menos crítica, o Ovo Pochê me pareceu a escolha mais correta. Não foi o único lugar em que encontrei ingredientes “frescos” que fizeram uma longa viagem. No Arturito, uma sobremesa do cardápio continha “frutas vermelhas frescas da Patagônia”. Ora, novamente, ou as frutas são frescas, ou são da Patagônia.
O Arturito ofereceu a melhor refeição de todos os restaurantes visitados. Fico feliz que a casa, aparentemente, tenha vencido o dilema ou o-serviço-é-bom ou a-comida-é-boa, que tinha deixado um gosto amargo na minha última visita.
Mas para falar de serviço e outros itens, volto logo mais na parte 3 da maratona.
E mesmo quando não é bom para comer, sempre dá para pensar. Como a refeição da Lufthansa, cuja resenha me garantiu um lugar entre os jurados do Prêmio Paladar 2010. Escrevi o texto correndo, no trajeto de trem entre Madri e Sevilha, apostando no senso de humor da equipe do Paladar. Já estava achando que não tinham curtido muito, quando recebi a ligação da Patricia Ferraz, editora do Caderno Paladar, me convidando para uma entrevista.
Vinte dias, cinquenta pratos e três quilos depois, no dia 09 de dezembro foram publicados os resultados desta edição do prêmio. Como sempre, é possível discutir para que serve um prêmio, ou questionar as presenças e ausências de alguns pratos na lista do Paladar. Mas estes assuntos já renderam uma boa discussão no ano passado (particularmente nos blogs E-Boca Livre e no Alhos, Passas&Maçãs), e prefiro me concentrar aqui em outros pontos que me chamaram a atenção, bem como oferecer um insight do que motivou a minha escolha de alguns pratos. Lembrando sempre uma frase do Luiz Américo: não concorda com o resultados? Excelente. Discorde, discuta. Mas sobretudo, coma.
O que mais fiz durante o período de avaliação dos pratos foi… beber. Água com gás. Considerando que há um valor máximo estipulado pelo Estadão, e que às vezes era necessário experimentar mais de um prato na mesma refeição, nem sempre dava para pedir vinhos ou algum aperitivo para acompanhar o prato. Em muitos casos dispensei o couvert (ah, aquela mortadela cheirosa do Pomodori) e a sobremesa. E sobretudo, nunca bebi tanta água na vida. Montei uma planilha, concentrei os almoços próximos ao meu escritório, e deixei as casas mais distantes para a noite e os finais de semana.
Comi coisas excepcionais, coisas boas e algumas que deram o que pensar. Por exemplo, os pratos da categoria Vegetariana. Acho uma escolha inteligente do prêmio buscar pratos a base de vegetais em restaurantes convencionais. Não há motivo para que os vegetarianos tenham que se restringir a guetos. O problema é que uma porção de legumes variados servidos com algum tempero não é uma visão muito inteligente de culinária vegetariana. É apenas uma porção de legumes temperados.
Curiosamente, a categoria que apresentava os melhores resultados era a categoria Laboratório, que premia justamente pratos que fazem experimentação com ingredientes brasileiros. Neste sentido, o Chibé do Tordesilhas e o Ravioli de Pupunha do Dois eram os melhores exemplos de que é possível conceber um prato que vai além do amontoado de legumes. Ou além do outro clichê vegetariano que é pegue-um-prato-conhecido-e-retire-a-proteína, como era o caso da moqueca de legumes do Brasil a Gosto (importante notar que a moqueca era deliciosa; minha crítica aqui é para a concepção de comida vegetariana). Não estou aqui defendendo uma bandeira do vegetarianismo estrito e ideologizado (viva a picanha!), mas apontando o fato de que há muito espaço para criação de pratos saborosos que não fiquém reféns do filé mignon, de cujo preço todos os chefs estava reclamando neste mês. Nesta categoria, não encontrei um prato que me surpreendesse, nem que gerasse dúvida quanto à escolha.
Já não posso dizer o mesmo das Categoria Entrada e Carne Suína. Volto logo mais para contar o dilema da Raposa e do Lobo Mau.
Prêmio Paladar 2010
Alguns incentivaram, outros torceram, alguns me perguntaram diretamente e eu tive que negar veementemente. Mas sim, fui jurado do Prêmio Paladar 201o, e torci muito ontem à noite na entrega dos prêmios. Volto aqui mais tarde para contar a experiência de três semanas correndo alucinadamente de restaurante em restaurante e confirmando a excelência de alguns conhecidos e a decepção com outros. E agora é com os leitores do Paladar a discussão. Como sempre dizem os editores do caderno: não concorda com o vencedor? Ótimo. Discuta, discorde, desafie. O importante é comer.
Laranja Melhor
Aproveitei o intervalo do almoço para fazer uma rápida exploração próximo ao espaço onde eu participava de um evento. Depois do Lanche do Bigode e do Dogão do Carlão, encontrei o restaurante Laranja Melhor.
Eu, que sou fã de laranjas. Que sou capaz de levantar às três da manhã para chupar uma laranja. Que acho que o fruto proibido do Éden era, na verdade, uma laranja. Ali, parado, na frente do Laranja Melhor, na Rua da Penha, em Sorocaba. Contemplando a possibilidade de uma cornucópia cítrica de baianas, peras-do-rio, sanguíneas e o que mais houver. A possibilidade de terem extinto aquela sem gracice que é a laranja lima. De pratos com laranja sem pato, de zest de chocolate na mousse de laranja.
Uma laranja melhor traz tantas possibilidades.
Acabou o intervalo.
Dois dias em Madri, três em Sevilha, e depois cruzar o Alentejo, passando pela região fronteiriça onde se produz presunto e, na sequencia, se vêem imensos olivais. Com os olhos fartos de castelos e fortalezas, onde cacei dragões e princesas com a Lívia, chegamos finalmente em Sintra.
E aqui o @umlitrodeletras faz uma pausa na história para contar a experiência gastronômica mais memorável até agora – um almoço na Tasca da Esquina, do chef Vitor Sobral. A Tasca da Esquina é um projeto que moderniza a tasca portuguesa, com um ambiente mais moderno e a comida mais leve e inteligente do Vitor – já antecipando: os pratos são alguma coisa como um cruzamento entre Mara Salles e Raphael Despirite.
Chegamos na Tasca às 15:20, a apenas 10 minutos do fechamento, mas o chef responsável, Hugo Nascimento, aceitou nos servir o menu “Fique nas mãos do chefe”. De entrada, pães, azeitonas e um delicioso queijinho amanteigado de ovelha – para minha sorte a Sra. Litros não tolera queijos de ovelha, e a pequena Lívia dormia cansada de tantas escadas e passagens secretas do Castelo de São Jorge em Lisboa.
As duas entradas frias eram uma sopa fria de tomate com ameixas e uma mousse de camarão com laranja. A entrada quente, cogumelos gratinados com creme de berinjela e hortelã. O prato com peixe foi um pampo empanado, peixe típico dos Açores, suave como um linguado, servido sobre uma fatia de batata de doce e um creme de coentro (consultei furtivamente o guia, mas ele não registrava: em Portugal também é falta de modos lamber o prato?). Foi neste ponto que a Lívia acordou e comeu todo o peixe da mãe. Esperta: a combinação do peixe com a batata doce e o coentro é perfeita. O Hugo, atencioso, trouxe mais um peixe para nós. Para finalizar os pratos quentes, um naco macio de porco servido sobre purê de maçãs – um purê ácido, diferente dos adocicados que eu conhecia.

Se uma sobremesa boa salva uma refeição ruim, o que dizer de uma sobremesa excelente depois de uma refeição memorável? Não tenho certeza se a refeição é sempre encerrada com a degustação de sobremesas, ou se serviram para nós porque comentamos com o chef sobre nossa busca por bons doces. No que provamos, tinha: bolo de chocolate com creme de maracujá e cenoura, creme queimado, pudim de claras e pudim do Abade de Priscos com calda de abacaxi, hortelã e coco – o pudim é uma espécie de quindim, se for possível imaginar o quindim mais cremoso e saboroso que alguém já provou. A calda de abacaxi ajuda a equilibrar a doçura dos ovos, é e aqui que insisto em repetir os adjetivos inteligente e moderno para o que vi e comi.

A comida da tasca é portuguesa do começo ao fim, mas leve e com pequenas interferências inteligentes para equilibrar exageros históricos, como a calda de abacaxi para o pudim. A apresentação é bonita, o conjunto é bom e o preço é justo. O menu degustação de cinco etapas custa 26.50 euros. Nossa conta só ficou mais alta quando foram adicionados água, um espumante de entrada, cafés e outros extras. Mesmo assim, encerramos com 90 euros (sem vinho, apenas 2 taças de espumante).
…e então fomos comer pastel de Belém e visitar o túmulo do Camões.