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Tomates verdes tristes

A cena aconteceu no Pão de Açúcar da Alameda Santos, uma loja minúscula que já foi um simpático Sé Supermercado. Minha geladeira estava desabastecida, e eu morrendo de vontade de comer uma salada.

Fui a uma consulta médica ao lado do mercado, e entrei lá rapidamente para procurar uma alface. A gôndola de verduras da maioria dos supermercados é uma lástima. Alfaces murchas que te olham com aqueles olhinhos de filhote de cachorrinho perdido implorando um resgate. Tomates verdes tristes. Cenouras oxigenadas.

Mas eu não tinha tempo e queria jantar uma salada. Com esforço, encontrei um pé de alface em que ainda restava um pouco de dignidade e uns tomates que sorriam meio amarelos. Botei na cesta, aproveitei para pegar uns iogurtes e me dirigi ao caixa rápido, aquele apenas para dez itens. Alguns minutos na fila, e chega a vez da freguesa que estava à minha frente.
A caixa avisa:
– Senhora, este caixa é apenas para dez itens.
A cliente, com uma voz melosa e fininha:
– Ah… oh… mas eu estou há quinze minutos na fila.
– Senhora, este caixa é apenas para dez itens.
– Ah.. ohhh… mas eu venho aqui sempre…
Neste momento eu contei até dez (itens) para não entrar na conversa e dizer que se ela passava ali todo dia e não conseguia ler a placa então… bem, contei até dez.
– Senhora, lamento mas…
Novamente, com a voz melosa e fininha:
— Você pode me passar na frente na outra fila então?
A caixa olhou para as outras filas, todas com quatro ou cinco pessoas e, sem saber o que fazer, chamou a supervisora e relatou o dilema.
A supervisora olhou para a fila. Olhou para a cesta. Olhou para as outras filas. E autorizou a caixa a passar a compra da cliente que não sabia ler, ou contar.
Eu olhei para a alface. Olhei para os tomates. Olhei para a fila e decidi que maior do que a vontade era minha dignidade.
Larguei a cesta no caixa, disse para a supervisora que ela tinha desrespeitado a mim e a todos os clientes que estava na fila e sai.
Não mudei o mundo, não perdi nem ganhei nada. Só continuei com vontade de salada.
Mas tem que ser digna.

11 respostas em “Tomates verdes tristes”

Vc muda o mundo, sim!!!!! O seu mundo permanece coerente, digno e de queixo erguido! E, o nosso mundo de queixo erguido faz toda a diferença!!!!
Beijas!!!
Deliciosos tomates verdes fritos, nada tristes, te serão oferecidos pelo mundo digno!!!!!

Sandro, você fez muito bem! Brasileiro precisa fazer um esforço para mudar esta cultura de aceitar tudo sem reclamar! Há jeitos e jeitos e tudo por ser dito, só depende da maneira como falamos. Adorei seu texto. Um abraço,

É isso aí Sandro… Tomates-verdes-dignos, alface-murcha-digna, fome-profunda-digna. A última vez que fiz isso, foi com a Prefeitura de São Paulo. Resolvi não pagar “propina” aos fiscais para não ser autuado por uma infração que nossa empresa não cometeu. Gastei os tubos com advogados, mais tubos com os cartórios. Brigamos por mais de 1 ano e perdi. O preço da perda foi alto, mais de R$ 1 milhão na empresa, pagos em 120 parcelas de R$12k via PPI. Mas os fiscais não levaram um centavo meu. Dignidade é como vacina, que para resolver dói em algum lugar. No teu caso, no estômago. No meu, no bolso. Mas a sensação de ir pra casa com a alma lavada, como diz a propaganda, “não tem preço”. Parabéns.

Fez muito bem! Moro há uma quadra do Pão de açucar e decidi fazer até um diário sobre os “deslizes” que eles cometem com os clientes. E ainda por cima os enormes cartazes na frente da nossa Cara ” O que faz você feliz? Aguarde!! Vou dizer a eles o que nos faz felizes!
bjos
Lu

Mais triste que os tomates é a complacência de quem passa por situações semelhantes e deixa pra lá, no melhor “é assim mesmo…”.
Mandou bem!!

Ser cidadão é ser respeitado por saber fazer-se respeitar.
Certamente eles não ficaram mais pobres por causa disso.
Mas você tem um hortifruti fresquinho e comeu salada no dia seguinte. Ou no outro…
E se olha no espelho com respeito : ))

Beijo!!
Lena

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