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A verdadeira comida russa

“Nevsk Prospekt” é tudo o que você precisa aprender em russo para não se perder em São Petersburgo. Não vai garantir boa comida, mas você não vai se perder. A cidade é linda, mas pouca gente, mesmo os mais jovens, fala inglês, e sequer há legendas no metrô da cidade. Em setembro de 2010 viajei para lá a trabalho, e meu hotel ficava a 4 estações de metrô da Nevsk Prospekt – a avenida de Champs-Elysées da cidade. Lá pelo terceiro dia já dá para se acostumar com o som e reconhecer o nome das estações de metrô. Mas, logo na chegada, a única maneira de chegar à Nevsk Prospekt é contando as paradas.

Assim que eu soube da viagem, fui pesquisar o que poderia comer por lá. Pela internet, encontrei poucas referências de um restaurante russo que me chamassem a atenção. A cidade é famosa pelo Palkin, uma reedição de um restaurante aristocrático originalmente aberto em 1785. Mas eu não queria comida da aristocracia russa (para isso tem Paris), queria comida do povo — ainda que fossem apenas batatas. Com a ascensão da Rússia como potência econômica, em algum lugar daquele cidade devia haver uma Mara Salles ou Ana Luiza Trajano reconstruindo receitas tradicionais.

A consulta ao Google não deu resultados. Alguns blogueiros europeus não souberam me indicar nada. Tentei encontrar alguma escola de gastronomia. Não achei. O máximo que encontrei foi um restaurante italiano que dava nome ao chef, e lá fomos jantar na primeira noite. Ao fim do mediano jantar de massas, eu procuro o chef, que não fala inglês e me indica falar com o sous-chef.

Eu capricho no melhor inglês com sotaque do leste europeu:
“Uér can I gêt ze rrreal rrrussian fooood? I want to eaaat russian food.”
E o sous-chef me responde: “Zér is no rrreal rrrussian food in Saint Petersburg. Want rrreal rrrussian food? Go to Moscow.”

No dia seguinte, tento amizade com o barista do hotel. A conversa se repete: “Uér can I gêt ze rrreal rrrussian food?”. Ele pensou, pensou, pensou e me indicou um restaurante que servia carnes. Pelo que pude observar em quatro dias, picanha, maminha e fraldinha fazem o maior sucesso por ali — zér is no churrascaria, mas deve ser um ótimo nicho de negócio.

Não faltam também pizzarias e casas de sushi. São Petersburgo fica no golfo da Finlândia, o que garante bons pescados. Na segunda noite, pegamos o metrô (conte 4 estações até Nevsk Prospekt) e entramos no primeiro restaurante mais ajeitado – lembrando que não há lei anti-fumo e que os russos fumam muito). O garçom chega com 2 cardápios na mão e pergunta:
“Italian or Japanese?”
Eu penso: “Que raios esse garçom acha que eu tenho cara de japonês?” e respondo: “English!”
Ao que o garçom retruca: “Italian food or japanese food, sir?”
Só então me dou conta que o restaurante serve pizza E sushi, e que o sushiman é russo, e o pizzaiolo é oriental.

Último dia, última chance. Na feira de souvenirs, encontramos a simpática Natalie, que afirma que o melhor restaurante russo ali do centro é o “Alsky Palsky” (ou pelo menos, “Alsky Palsky” é o que eu consegui entender). O problema é que, à noite, ao chegar no lugar indicado seguindo as instruções da Natalie, encontramos um restaurante em que a fumaça de cigarro parecia neblina da serra de Santos. A comida, disposta em bufê, tinha o mesmo aspecto horrivel da comida do hotel: algumas batatas remexidas, muito salmão defumado e pepinos em conserva e carnes de aspecto duvidoso. Era ali o “Alsky Palsky”, ou fomos parar no lugar errado? Nunca vou descobrir.

No dia seguinte nosso vôo era no fim da tarde e eu provoquei uma conversa entre o taxista e a concierge do hotel. Parece que a noção de “rrreal rrrussian food” é um pouco confusa para eles que confabulam, confabulam, e por fim chegam a um acordo onde me levar.

Eu até fiquei animado quando vi que o carro saia dos limites conhecidos da Neevsk Prospekt, pegava uma estradinha, algumas curvas e…. não!!! Parou em frente a um restaurante todo bonitinho, de onde saíam, naquele momento, dois ônibus de turistas chineses. Fomos recebidos por russos vestidos à caráter (ou seja, fantasiados com num filme de Hollywood) dançando dancinhas russas. Algo como trazer um turista para o RJ e levá-lo à uma churrascaria com show de mulatas. Comi uma salada russa. Minha filha comeu batatas fritas. Minha mulher comeu um estrogoff bem ruim. No aeroporto, compramos vodka e Ruffles sabor caviar. Isso sim, ze rrreal rrrussian foood.

10 respostas em “A verdadeira comida russa”

Elki-Palki (se pronuncia yolki palki) é muito bom como referência para comida russa. Trata-se de uma cadeia que tem diversos restaurantes em Moscow, St. Petesburgo e outras cidades da Rússia.
Não conheço os de St. Petesburgo, mas nos que estive em Moscow, as pessoas não fumavam e o pratos são deliciosos e têm comida realmente saborosa e bem típica russa.
Uma pena a sua experiência não ter sido boa… espero que tenha a oportunidade de novamente provar os sabores da Rússia.

Sandro, segundo a teoria sóciológica-marxista da minha esposa, não existe comida russa “típica”, ou popular, como queira chamá-la. Sempre foi um país em que o povo passou muita fome (invernos muito frios e longos, agricultura muito voltada para cereais – cevada, trigo, etc), enquanto os ricos comiam comida francesa (O Carème foi chef do czar). Claro que durante os anos soviéticos este cenário não mudou muito. Os dirigentes do partido continuavam a comer comida ocidental refinada, enquanto o povo, repolho, batata, carnes de 5a. categoria cozidas até não poderem mais ser identificadas. E hoje, na era dos milionários russos do petróleo? Os milionários comem comida ocidental, e o povo também, mas das grandes redes de junk food internacionais. O melhor é aproveitar a Vodka, porque até o caviar tá difícil, já que o esturjão está ameaçado de extinção no mar Cáspio.

Sandro, eu concordo com a teoria dela. Aliás com esta e com muitas outras. Pena que muda o regime político, e o povo continua comendo mal.

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