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Bom para comer, bom para pensar (parte 1)

E mesmo quando não é bom para comer, sempre dá para pensar. Como a refeição da Lufthansa, cuja resenha me garantiu um lugar entre os jurados do Prêmio Paladar 2010. Escrevi o texto correndo, no trajeto de trem entre Madri e Sevilha, apostando no senso de humor da equipe do Paladar. Já estava achando que não tinham curtido muito, quando recebi a ligação da Patricia Ferraz, editora do Caderno Paladar, me convidando para uma entrevista.

Vinte dias, cinquenta pratos e três quilos depois, no dia 09 de dezembro foram publicados os resultados desta edição do prêmio. Como sempre, é possível discutir para que serve um prêmio, ou questionar as presenças e ausências de alguns pratos na lista do Paladar. Mas estes assuntos já renderam uma boa discussão no ano passado (particularmente nos blogs E-Boca Livre e no Alhos, Passas&Maçãs), e prefiro me concentrar aqui em outros pontos que me chamaram a atenção, bem como oferecer um insight do que motivou a minha escolha de alguns pratos.  Lembrando sempre uma frase do Luiz Américo: não concorda com o resultados? Excelente. Discorde, discuta. Mas sobretudo, coma.

O que mais fiz durante o período de avaliação dos pratos foi… beber. Água com gás. Considerando que há um valor máximo estipulado pelo Estadão, e que às vezes era necessário experimentar mais de um prato na mesma refeição, nem sempre dava para pedir vinhos ou algum aperitivo para acompanhar o prato. Em muitos casos dispensei o couvert (ah, aquela mortadela cheirosa do Pomodori) e a sobremesa. E sobretudo, nunca bebi tanta água na vida. Montei uma planilha, concentrei os almoços próximos ao meu escritório, e deixei as casas mais distantes para a noite e os finais de semana.

Comi coisas excepcionais, coisas boas e algumas que deram o que pensar. Por exemplo, os pratos da categoria Vegetariana. Acho uma escolha inteligente do prêmio buscar pratos a base de vegetais em restaurantes convencionais. Não há motivo para que os vegetarianos tenham que se restringir a guetos. O problema é que uma porção de legumes variados servidos com algum tempero não é uma visão muito inteligente de culinária vegetariana. É apenas uma porção de legumes temperados. 

Curiosamente, a categoria que apresentava os melhores resultados era a categoria Laboratório, que premia justamente pratos que fazem experimentação com ingredientes brasileiros. Neste sentido, o Chibé do Tordesilhas e o Ravioli de Pupunha do Dois eram os melhores exemplos de que é possível conceber um prato que vai além do amontoado de legumes. Ou além do outro clichê vegetariano que é pegue-um-prato-conhecido-e-retire-a-proteína, como era o caso da moqueca de legumes do Brasil a Gosto (importante notar que a moqueca era deliciosa; minha crítica aqui é para a concepção de comida vegetariana). Não estou aqui defendendo uma bandeira do vegetarianismo estrito  e ideologizado (viva a picanha!), mas apontando o fato de que há muito espaço para criação de pratos saborosos que não fiquém reféns do filé mignon, de cujo preço todos os chefs estava reclamando neste mês. Nesta categoria, não encontrei um prato que me surpreendesse, nem que gerasse dúvida quanto à escolha.

Já não posso dizer o mesmo das Categoria Entrada e Carne Suína. Volto logo mais para contar o dilema da Raposa e do Lobo Mau.

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Criatividade é fruta madura que cai do pé

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Peixe, Tuju

 

A prova da criatividade do cozinheiro é a surpresa do comensal. Você prova o quiabo com camarão da Roberta Sudbrack e indaga: “Como alguém não tinha pensado nisso antes?” Experimenta o chibé da Mara Salles, e se intriga: “Quem poderia ter pensado numa forma tão delicada de servir?” Almoça no Tuju e se pergunta: “Como recriar o cardápio o todo dia” e manter o frescor das ideias?

Roberta Sudbrack disse há algum tempo que detesta quando perguntam sobre seu processo criativo. Que para ela, não existe um processo, mas o fluir da idéia – a fruta que, de madura cai do pé, não importa a hora. Coitado de quem estiver embaixo na hora errada.

Carlos Alberto Dória, por sua vez, lembrou que o fluir das idéias não é assim tão anárquico e que somente o trabalho árduo de investigação de uma mente curiosa é o que garante a criatividade.

A persistência é um dos traços mais comuns a artistas e inventores. Thomas Edison dizia que cada insucesso nos seus projetos não era de fato um insucesso, mas um passo a mais em direção à solução correta. E que na verdade, não tinha falhado, mas descoberto 1.000 maneiras diferentes de como uma determinada coisa não funcionava.

Um dos meus modelos preferidos de criatividade é o proposto por Theresa Amabile, da Universidade de Harvard. A professora defende que a criatividade ocorre na convergência de três dimensões. A primeira delas é a motivação; a segunda, o expertise em um determinado domínio de atuação. E a terceira é aquela que comumemente identificamos como capacidade criativa, aquilo que faz as pessoas pensarem de maneira diferente, olharem as coisas do avesso (Amabile chama de “creative thinking skills”). Sem a confluência dessas três dimensões, o processo criativo falha.

Por exemplo: um cozinheiro motivado e competente, mas que não questiona as verdades estabelecidas, vai apenas reproduzir eternamente os mesmos pratos. Já um cozinheiro motivado e questionador, mas sem habilidades técnicas e intimidade com os ingredientes, só vai produzir bobagens. E um cozinheiro questionador e competente, mas desmotivado – bom, é melhor esse pendurar os Crocs, porque sem paixão não há criação.

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Atualizei este post para lembrar que dia 29/02, às 20:00, no Centro Universitário SENAC, o especialista em criatividade Conrado Schlochauer, o chef Ivan Ralston do Tuju e o chef Jaume Biarnés, da Fundação Alícia, na Espanha, farão um debate sobre criatividade na cozinha. Conrado, que também é doutor em educação, ensinará técnicas para o desenvolvimento da criatividade e Ivan Ralston contará sobre o seu processo de criação de pratos.

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Vergonha de ser gostosa

Conheço muitas pessoas que adoram comer. Que palpitam de emoção pensando na próxima refeição. Conheço também muita gente que come qualquer gororoba – que exclama “Delícia!!!” para qualquer doce muito doce ou qualquer salgado repleto de glutamato. Conheço umas poucas pessoas que comem para viver – aquelas que ficariam muito mais felizes se a comida viesse em pílulas e não sujasse a louça.

Quase todas têm alguma noção sobre o valor nutricional dos alimentos. Sabem que precisam evitar excesso de gordura. Que é bom comer fibra. Que não é bom comer muita fritura. Que é bom comer salada. Sabem tudo o que o Globo Repórter apresenta periodicamente como a dieta para a eterna juventude.

Mas não conheço ninguém, ninguém mesmo, que olhe para o prato e diga: “Que máximo! Óleo essencial de enxofre, acido fólico e potássio. E veja: ainda tem vitamina C e polifenós – garçom, por favor, você pode colocar uma porção extra de polifenóis? Sou louco por eles!”

Por isso meu espanto ao ver o anúncio do Arábia estampado no caderno Eu&Fim de Semana do jornal Valor Econômico, em 29 de janeiro. A foto é de uma salada fatuch – o pão estalando, o pepino e o rabanete crocantes, a alface fresquinha e brilhante. Tão bem tirada que dá água na boca mesmo reproduzida na baixa qualidade de papel de um jornal.

Mas aprendo com o texto do anúncio que o rabanete é estimulante da digestão e boa fonte de vitamina C. O molho de sementes de romã é rico em vitamina A, C e E, potássio, ácido fólico e polifenóis; antibiótico e antiinflamatório natural (e eu nem estou gripado). As folhas de hortelã têm propriedades analgésicas, digestivas, refrescantes, descongestionantes, antiinflamatórias e desodorantes (sempre uso quando vou ao restaurante).
Em resumo, a salada é praticamente uma farmácia empratada. Poderia fazer parte do Drugstore Week – um multivitamínico, um descongestionante e um desodorante pelo módico preço de um prato executivo. A lógica do anúncio é decompor o prato em seus nutrientes. Eliminar o prazer da refeição e concentrar-se nos benefícios para saúde. Essa lógica, denunciada por Michael Pollan em “Em Defesa da Comida”, ignora que um alimento é algo mais vivo do que o conjunto de nutrientes, que uma refeição é um acontecimento maior do que um encontro entre um comensal e um prato.

E eu, que faço parte do grupo que sempre está pensando com prazer na próxima refeição, termino o anúncio sem a mínima vontade de consumir aquela salada. Prefiro comida que não tenha vergonha de ser gostosa.

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A comida do rei

Lula seria um Luís XIV tropical, de acordo com uma coluna de Marcelo de Paiva Abreu na Folha de São Paulo, dada a concentração de poder político na sua figura hoje e desejo de perpetuação do seu reinado, ops, mandato.

A corte de Luís XIV era famosa pelos seus banquetes. A alimentação na corte já sofria uma grande transformação desde meados do século XVII. Abandonou o uso de lampreia, baleia, pavão e cisne em favor de carnes como  boi, vitela e carneiro, e aves em geral, multiplicou as variedades de frutas e vegetais, inventou o método champenoise para produção de espumantes e viu a introdução do café, do chá e do chocolate. Além disso, é nesse período que La Varenne publica Le Cuisinier Français, que rompe com o receituário da Idade Média e começa a sistematizar e estruturar o preparo da comida a partir de bouillons e fonds que serviam como alicerce dos outros pratos.

Por coincidência, a mesma edição da Folha (11/01/10) reproduz em uma matéria o edital de compra das despensas presidenciais. Entre outros itens, o Palácio do Planalto vai consumir uma tonelada e meia de queijo, 727 quilos de presunto e 160 quilos de salaminho. Laranja: Duas toneladas e meia. Abacaxi: 850 unidades. A lista ainda inclui mamões, melões e melancias.

O edital ainda segue com outros itens como requeijão, iogurte, muito pão de queijo e 44 quilos de salsicha. Pelos itens, fico imaginando que esta comprinha seja algo básico, para dar conta do dia-a-dia, e não para os banquetes presidenciais. Ou será que Lula chamou o Ahmadinejad para comer um cachorro-quente com suco de cupuaçu?

É sempre bom lembrar que a cozinha do Palácio do Planalto já deixou muita gente impressionada, durante o mandato de FHC, quando os jantares eram executados pela brilhante Roberta Sudbrack, que agora reina absoluta na cozinha do RS, no Rio de Janeiro.

Luís XIV, no final de seu reinado, cansou de muita pompa e se mandou para o castelo de Marly, onde servia jantares mais íntimos sem sequer a presença de criados para servi-lo. A mesa já fica posta, com os pratos, taças, água e vinho.

Nosso Luís vai gastar R$59.313,72 apenas com água mineral. Curiosamente, não há limões no edital do presidente. Ou ele já fez de todos uma limonada, ou talvez prefira sua água pura, como a bebem os passarinhos. Afinal, já dizia o Mario Quintana, “aos que atiram pedras pelo meu caminho, digo a todos que vocês passarão…”.

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Entre blogs, críticos e profiteroles

Quase de férias, corri ao “Entre Estantes e Panelas”, evento com curadoria do Carlos Alberto Dória e Alex Atalla, que periodicamente reúne gente interessante, no teatro da Livraria Cultura em São Paulo, para discutir temas ligados à alimentação.

Dessa vez, o tema era “Blogueiros da Alimentação. Tema, por si só, curioso. Afinal, quem são essas pessoas que se interessam por blogs e por comida, ao mesmo tempo?

O quase-debate (tempo e formato não ajudam muito) foi mediado pela Paula Pinto e Silva, que abriu com uma rápida visão geral sobre o universo dos blogs. Não vou comentar todo o evento (Joyce Galvão fez um bom resumo no Gastronomicas), mas apenas destacar o rumo que tomou, sequestrado pelo tema da oposição entre crítica gastronômica profissional e amadora (para o incomôdo da Paula, moça que sabe das coisas e queria discutir o fenômenos do blogs em um contexto mais amplo. Ah, esses antropólogos…)O fato é que a tal crítica “amadora” é formada por gente metódica, e que possui repertório para analisar e opinar sobre as casas que frequenta.

Alex Atalla tomou o microfone no final para questionar a legitimidade dos blogs e assumiu nunca ter lido nenhum deles. Luiz Américo confessou que acha o Alhos uma revelação da crítica. O debate terminou quando esquentou, mas ficou evidente que os blogs incomodam e são complementares à crítica institucionalizada. O fato é que o mundo 2.0 também chegou ao restaurante. Um mundo em que a voz individual e coletiva possui um canal para se expressar.

Ontem, já de férias, decidi sair para jantar com minha esposa. Preterimos alguns de nossos restaurantes favoritos para conhecer o Arturito, elogiado recentemente pelo Botecodojb. Na preguiça de um dia sem compromissos, cheguei a pensar em consultar o Que Bicho e o Alhos, mas acabei não fazendo.

Chegando ao Arturito, não gostei daquela cara de balada de modernos, embora a maior parte dos frequentadores fosse da nossa faixa etária. Ou até bem mais alta: ao meu lado, na espera, estava Arnaldo Jabor.

Adoramos a comida do restaurante, mas a experiência foi péssima. Erros básicos e patéticos do serviço, do começo ao fim. Desde 1:20 minutos na espera (demos um desconto para isso, afinal podia ter sido apenas um azar), até garçons que não enxergavam nossa mesa. Café servido apenas para um. E para, finalizar, conta cobrada com valores a mais.

Era impossível sair dali sem dar um feedback. Chamamos o maitre. Ele nos ouviu educadamente. Ofereceu-nos de não cobrar a conta. Eu me dispus a pagar os pratos principais. Ele não aceitou. Achei que ele foi muito profissional, e quebrou nosso juramente de nunca mais voltar ao lugar (juramento selado pelos deliciosos profiteroles da casa).

Mas toda esta experiência me fez lembrar novamente da discussão da segunda-feira. Ao acordar esta manhã, ainda impactado por uma noite que deveria ter sido boa e perdeu seu encanto, decidi pesquisar os blogs falam do Arturito.

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, em fevereiro, ele já tinha criticado duramente o Arturito. Consultei o Alhos, e notei que ele já havia dado uma dica sobre o ambiente de modernos que me incomodou. E Botecodojb também teve lá seus problemas. Ou seja, crítica amadora serve ou não como uma referência? Um blogueiro estabelece uma relação com seus leitores uma relação intimidade, que de alguma forma, mídias tradicionais não conseguem capturar. Quem não entendeu isso ainda, vá ler o Manifesto Cluetrain. E notar que o mundo mundou.