Dia das mãos

Fileteado de caminhões


Despenca o aguaceiro de fim de tarde de verão em São Paulo. Deixo o taxi esperando na esquina e entro
correndo na Zatar, em Perdizes. Peço quatro esfihas, jantar de quem está de férias e não quer cozinhar nem sujar louça.
“O senhor aguarda uns minutos, nós fazemos a esfiha na hora.”
Fico ali, ao lado do balcão, observando as mãos que montam as esfihas. Abre a massa, estica, coloca o recheio, fecha três pontas como um chapéu de Napoleão. Repete. Repete milhares de vezes, é a minha infância em volta da mesa de doze lugares coberta por trezentas esfihas que devem ser entregues às cinco da tarde. Preciso, urgente, tirar uma foto das mãos da minha mãe.
Mas hoje é dia de outras mãos. Que tinham uma letra forte e redonda. Que acariciavam madeira. Sabiam seu nome pela cor e pelo cheiro. Meu pai conheceu minha mãe quando foi à igreja que ela frequentava – e cujos bancos tinham sido feitos por ele. Casaram-se – ela fazia salgados, ele fazia bancos de igreja, casas, carroçarias da caminhão.
Em 2003, quando fui pela primeira vez a Buenos Aires, vi alguém fileteando uma placa. E súbito me lembrei do capricho delicado das mãos ásperas de meu pai fileteando carroçarias de caminhão. Era ali também a minha infância que voltava pintada naqueles traços curvos. Hoje é dia das mãos. Do pai que partiu há quinze anos, num dia sem chuva.
Comemora-se com esfihas salgadas, muito salgadas.

umlitrodeletras

11 Comments

  1. Sandro, adorei teu texto sobre o papai..
    “Meu olhar sempre encontra estes filetes em carrocerias pelas ruas das cidades e todas elas me remetem ao papai. Muitas vezes assisti ele filetando retângulo por retângulo e quando o prazo apertava, me recordo segurando uma lamparina acesa na mão (não tinha energia elétrica por lá na época,) enquanto ele dominava o pincel na outra. Quando terminava havia sempre um dedo dele na tinta e a marca de uma bolinha nos quatro cantos de cada filete. Que lembrança boa.
    beijos da lu

  2. Parabens por este texto MARAVILHOSO, creio piamente que nossas maos sao muito habilidosas e devem muito respeito, emocionante tbm a reflexao ao sr. seu Pai, que partiu num dia sem chuva…Mais uma vez Parabens

  3. Sandro meu querido….ler esse texto me fez lembrar das mão de minha avo fazendo esfihas e de minha mãe fazendo terrines….ler seus escritos é sempre tão bom que dá para parar tudo que se esta fazendo e ficar aqui sorrindo e pensando na vida, Beijos de alguem que te adora !!!

  4. Tio Sandro, parabéns me lembro de tudo como se fosse hoje, e sempre fora de hora que o papai fazia isto , sempre terminando um serviço para ser entregue e cumprir seu compromisso. Beijos

    Marisa

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