
O gosto não é mais o gosto que aprendemos. Foram necessários muitos avanços da ciência para botar abaixo o conhecido modelo de fisiologia do gosto proposto por Brillat-Savarin no século XVIII. Brillat não perdeu sua importância, mas precisa ser considerado como ponto de partida, e não ponto de chegada.
O editorial da número 1 da revista Gosto, publicação da Editora Isabella, dirigida por J. A. Dias Lopes afirma que o nome da revista foi escolhida em função da importância de Brillat para a literatura gastronômica. Mas que gosto tem a revista? A nova fisiologia do gosto leva em conta como o cérebro processa e sintetiza a informação proveniente de todos os sentidos, reforçando a importância do visual e textura do prato. Comecemos, portanto, pelo visual da revista, que é bonita. Formato bacana, papel bom, diagramação clean – embora com pouca ousadia.
Mas um certo gosto conhecido começa a aparecer à medida em que leio as matérias. É fundamental para um interessado em alimentação conhecer a história de pratos, técnicas e ingredientes. Mas a história, novamente, é apenas ponto de partida para discussões discussões contemporâneas interessantíssimas. As duas matérias sobre Brillat-Savarin trazem seu perfil, mas passam completamente ao largo da compreensão moderna do gosto, com todos os avanços científicos dos séculos XX e XXI. O mesmo acontece com a matéria sobre o leite condensado, que buscou a opinião de Carlos Alberto Dória, que tem instigado a discussão sobre este tema, mas não aprofunda a questão. E encerra com a tradicional receita de pudim da Nestlé.
Em termos de receitas (outro tema contemporâneo interessantíssimo – alguém aí quer discutir?), a revista oferece o mesmo que suas concorrentes. Receitas de chef, sem cuidado nenhum com o leitor final. Quem usa 12 gramas de alho em casa? Receita de brioche – praticamente de domínio público. E afinal, quem quer preparar Poupeton Brillat-Savarin?
Onde fica a alma brasileira defendida no editorial? Este tema também está no centro da discussão gastronômica atual. Mas não enxerguei nada além da bela matéria sobre a culinária do Vale dos Vinhedos escrita por Xavier Bartaburu.
Falta, em resumo, mais frescor nos ingredientes da revista. Faltam temas e pontos de vista mais contemporâneos em vez de discussões subjetivas sobre a melhor forma de servir feijoada. O que faz uma foto de brioche na capa do número 1 de uma revista que afirma ter “alma brasileira”? Achei uma baita mancada editorial. E termino de ler a revista com aquele gosto de pão amanhecido na boca. Espero um próximo número mais fresquinho.
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Não comentei a seção de vinhos porque não é minha especialidade. Gostaria de ouvir os especialistas sobre este assunto.
Para quem estiver interessado no tema “gosto”, recomendo a leitura da edição especial “A ciência na cozinha”, preparada por Carlos Alberto Dória para a Scientific American Brasil.
5 respostas em “Um velho gosto conhecido”
Ainda não consegui ver a revista, pois não a encontro nas bancas onde procuro.
abraços
Dória
Demorou um pouco, mas enfim consegui ler o texto! E gostei. Fica claro que vc não curtiu muito a Gosto, mas conseguiu acertar no tempero pra não ficar pesado o texto. Só fiquei na dúvida se vc compraria o segundo número e, se comprasse, se seria apenas para dar uma segunda chance. O que acha?
De qualquer forma, o que me pareceu foi que o J.A. Dias Lopes simplesmente extrapolou o espaço da coluna do Paladar e fez para si uma revista.
Para mim foi bom: eu não acho que valeria perder meu tempo como essa publicação.
Também não consig achar a bendita revista em lugar nenhum! Vou ter que reclamar com meu editor Dias Lopes assim que ele me contratar…
Joana, tem na banca aqui em frente ao banco, na av. Paulista.
Hum…Deixou um gosto ruim mesmo.