Episódio 1: Era um uniforme muito engraçado

Onze da manhã e eu na porta do restaurante. O chef abre a porta, me dá as boas-vindas e me mostra o vestiário. Eu tiro da mochila o dolmã, o avental, os crocs e me troco lentamente, pensando que ainda dá tempo de dizer que foi só uma brincadeira.

Quando liguei para um chef pedindo para estagiar em sua cozinha, ele aceitou na hora, e e eu pensei: “Ele está louco ou esqueceu que não sou cozinheiro?”

Essa história tem vários começos: em deles está em 2008, quando li “Calor”, do Bill Buford, e me interessei seriamente pelo mundo da cozinha. O livro, e tudo o que aprendi nos últimos cinco anos, me ajudou a evoluir do estágio de cozinheiro medíocre para cozinheiro destemido (embora ainda medíocre). O que está ótimo, porque não tenho a intenção de ser cozinheiro profissional.

Mas a história também também se inicia quando fiz mestrado e decidi que, no doutorado, voltaria a estudar o mesmo tema em uma UTI, ou em uma cozinha — o que em alguns momentos dá no mesmo. Pense bem: uma seis pessoas preparam 180 pratos num espaço de 90 minutos. Isso é só um almoço tranquilo na segunda-feira de chuva.

Mas a história começa também assim: após onze anos como executivo, tenho a rara chance de fazer uma pausa na carreira e buscar novas formas de aprender. Por que não fazer isso fora da sala de aula, num ambiente quase desconhecido, com outra cultura, outras regras, muito calor e lâminas afiadas?

Me sentindo meio rídiculo no uniforme, desci as escadas de volta para a cozinha. Talvez sentir-se ridículo seja uma forma de manter a auto-crítica, o espírito alerta para aprender e o cuidado para não cortar o dedo: o mico que eu queria evitar, a todo custo, no primeiro dia.

umlitrodeletras

10 Comments

    • Obrigado, Wair. A gente não pode contar todos os segredos de uma vez! Você precisa acompanhar todos os capítulos para saber se o mocinho sobrevive no final.

  1. Sandro.
    Grande admiração pela tua coragem, e claro, uma pontinha de inveja.
    Sorte na batalha!
    Ansioso pra te encontrar pessoalmente e saber mais detalhes desta história.

    Abraços
    Marcel

  2. Olá, Sandro. Acabo de chegar ao seu blog, por puro acaso, e achei simplesmente delicioso.
    Quase morri de rir com suas aventuras como estagiário, e me arrependi por não ter escrito (não com a mesma classe e o seu belo estilo) quando me submeti voluntariamente à mesma UTI num restaurante em Barcelona, recentemente. Estava de férias e resolvi descansar trabalhando (sim, 12 anos como executiva podem enlouquecer alguém e dar ideias desse tipo, eu te entendo). Me sinto totalmente contemplada pela sua narrativa, com uma diferença. No primeiro dia eu DE FATO paguei um mico, uma queimadura que rendeu curativo e luvinhas por uma semana. E, sim, eu pensava em abrir um restaurante, mas junto com o curativo joguei fora essa ideia maluca.
    Visitarei sempre seu blog. Um abração.
    Ana.

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