Um bom pão é uma forma de oração

Tirei os pães do forno e deixei descansando na grade. Peguei um livro, sentei no sofá – de repente, escuto um ruído na cozinha – são os pães cantando baixinho, como se fizessem uma oração.

Pão de fermentação natural

Depois que você, a duras penas, aprende a domar a farinha, a água, a umidade (inconstância, teu nome é umidade!) e o fermento, descobre que ainda há outra arte por vir. Modelar pães não é uma tarefa banal.
Meus pães não estão bem modelados. Têm vergonha de mostrar seu traseiro, costurado e remendado pelas minhas mãos inábeis. Mas mesmo assim acordam corados, saudáveis, felizes e cantando baixinho para não atrapalhar o silêncio do domingo. Depois pedem um pouco de manteiga, uma xícara de café. E eu largo o livro e vou conversar com eles.

(Tente fazer a mesma experiência com pão de forma comprado no supermercado. Periga ele sair do saco plástico recitando preço de ações e a cotação do trigo na bolsa de commodities de Chicago. E ainda por cima tem nojinho da manteiga e diz que só se dá bem com peito de peru light. Não conversa, não canta, não sabe nem que é domingo. Um pagão.)

umlitrodeletras

10 Comments

  1. Quem foi o Mestre da Magia que descobriu um dia, que unir o grão do trigo, transformado num pó branco por um processo de alquimia, somado à água e sal, levedaria, e mais ainda: se exposto ao calor do fogo fechado, transformar-se-ia no mais sagrado dos alimentos?…
    Happy Valentine’s Day!
    Beijos
    Lena

  2. certa volta resolvi fazer pães, receita de um padeiro famoso. no meio do processo de crescimento, tive que sair de casa, e me atrasei algumas (várias) horas. cheguei em casa e inúmeras jibóias descansavam sobre o mármore da pia, imensas – eles tinham crescido além da conta. insisti em assa-los de madrugada mesmo, com uma bandeja de água no fundo do forno, como pedia a receita. resultado – foi seguramente o pão mais duro que já comi na minha vida – traumatizou um pouco, confesso. nunca mais me aventurei neste campo, talvez esteja na hora de ouvir os pães falarem. forte abraço!

  3. Que coisa deliciosa, Sandro! E eu, agora, que vou abrir o meu pão com castanhas e quinoa que fica protegido na sacola e na geladeira (sim, a umidade aqui do lado da mata não trás inconstância nenhuma!…) vou perguntar para ele, de forma carinhosa: “Tudo bem com você?”. Risos. Um grande abraço, querido!

  4. Meu caro amigo, o cantar dos pães é de uma poesia sem tamanho! Você é uma pessoa abençoada, pois consegue extrair a essência da vida, que se encontra nas coisas simples, nos sabores, nas cores, nos cheiros de tudo aquilo que nos rodeia, pois a cada dia somos agraciados com experiências únicas! Parabéns! Grande abraço!
    Renata Pinheiro Nogueira Nicolau

  5. Sandro, o pão do meu pai também cantava. Era uma devoção. Àsvezes era preciso enrolar o pão em um cobertor para que crescessem. É uma delìcia ler seus textos, que já os conhecia a long time ago.

  6. Que deleite essas linhas, que aprazĺvel esse blog… Surge a dúvida: por acaso é você que vem a Paris agora em julho e queria estagiar numa boulangerie ?

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