Ostras, aspargos e outros produtos orgânicos

Aspargos do Chez Panisse

Aspargos com flores de mostarda do Chez Panisse

As ostras que comi em San Francisco tinham RG e CPF. A Beausoleil veio de Nebraska. A Emerald Acres veio de Washington. A Pearl Point veio de Oregon. A Kumamoto e a Drake’s Bay são da Califórnia. Ou seja, mais frescas do que isso, só se eu mergulhasse aos pés da Golden Gate Bridge para pescá-las por mim mesmo.

Grande parte do sucesso de um prato está na qualidade do ingrediente. Identificar e reconhecer o produtor é demonstrar respeito pelo seu trabalho. Isso juda a criar e educar o mercado e melhora toda a cadeia. O produtor, além de cuidar da qualidade do ingrediente, também é respeitoso com seus funcionários? Um ponto a mais para ele. O produto viajou por um meio de transporte com baixa emissão de carbono? Outro ponto.

Estamos chegando aqui já próximos da utopia? O problema é que durante tanto tempo fomos acostumados a não valorizar esse tipo de prática, que o que deveria ser utilizado como regra, virou exceção. Na buscar de valorizar esse tipo de produto e produtor, comer pode começar a ficar muito chato — imagine quanto tempo levaria para o Raphael Despirite explicar como foi produzido cada ingrediente do seu menu degustação? (Talvez seja uma boa ideia, já que o Marcel fica num flat. O comensal cai no sono e já sobe para o quarto).

Mas a melhor sátira sobre este tema está na revista Esquire de março, cujo texto traduzo livremente abaixo. Notas do tradutor entre colchetes.

Da fazenda à mesa
Como seu restaurante obtém a comida que coloca no seu prato (por A. J. Jacobs)

Na primavera, o aspargo é plantado em um campo a apenas 300 jardas estrada abaixo. Ele cresce sem interferência de pesticidas, fungicidas, herbicidas, radiação de telefone celular, barulhos de trânsito ou contato visual humano.

Nós esperamos.

No momento exato, o talo de aspargo é gentilmente colhido por um trabalhador da terra latinoamericano bem remunerado, mas somente após ter sido [o aspargo, não o trabalhador] submetido a hipnose Ericksoniana para minimizar a dor.

Segue-se um breve serviço funeral, incorporando elementos textuais judaicos, cristãos e shintoístas, reconhecendo que o aspargo está sacrificando sua vida para o nosso consumo.

O talo de aspargo é transportado diretamente e rapidamente para a cozinha por um corredor educado em uma das melhores universidades americanas (Ivy League), com os pés descalços e treinado pela tribo mexicana Tarahumara.

Ele é lavado [o aspargo, não o corredor] no orvalho matutino colhido nas tendas da brigada [sim, tendas de pele usada pelos nômades da Sibéria].
O chef executivo cozinha o aspargo por 30 segundos, segurando a dez pés de distância de uma fogueira feita com lascas de cipreste recicladas.

O aspargo é então servido para você, o comensal, por um garçom local, sem hormônios [o garçom, não o aspargo]. Em vez de pratos, nós usamos blocos endurecidos de lixo do quintal do restaurante, inspirados pela antiga cerimônia menarca da tribo local Chippewa.

Depois da refeição, é costume que os comensais caminhem até o campo de aspargos, agachem e fertilizem os vegetais com sua própria matéria orgânica, iniciando todo o belo processo novamente.

umlitrodeletras

5 Comments

  1. Te ler é mto bom!!!!!! Mas o que gosto mesmo e de te ter ao vivo, sentado na escada jogando palavras fora…… Saudades!!!! Beijas!!!!

  2. Fui a um jantar degustação onde se explicavam os pratos de tal forma que, quando eu começava a comer, já tinha me esquecido do que era…por sorte não tinha souflée, senão ele murchava até o final da explicação.
    Agora, adorei os parênteses!abs

  3. Adorei! O texto, os aspargos, tudo!
    Quero saber todas as dicas gastronômicas dessa viagem e o resto..

  4. …no fim é o único cocô que se faz com respeito a um fim, atraido pelo fim da história, e não impulsionado por gases poluentes, de única e exclusiva responsabilidade de formação e emissão do comedor…

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