Pra dizer que não falei das flores

Laranjas kinkan
Elas chegaram de repente, e trouxeram uma felicidade enorme para minha experiência agrícola de apartamento. Eu sei que que isso acontece com flores, já tinha até visto fotos nos livros. Mas tipo urbano que sou, esperava – sei lá – uma planilha de planejamento que previsse, um SMS ou DM que anunciasse o fato.

O pé de laranjas kinkan chegou em dezembro, meio tímido; deve ter estranhado o local e a companhia. Faltam-lhe outros pés de laranja para trocar confidências. O pé de romã ao seu lado é muito pequeno, quase criança, nem se lembra da viagem. O pé de jabuticaba se emudeceu por um tempo, se desfolhou com as chuvas, e só agora acena com novos brotos para o pezinho de laranja.

Eu tenho acordado às 6:00 da manhã para trazer água, conversar um pouco. Já tive algumas discussões com as ervas – essas têm um gênio mais forte, querem dominar o espaço. Dei um corte logo de cara e aprenderam a me respeitar (o pé de hortelã anda meio ressabiado, querendo saltar pra fora do vaso, desde que tivemos um briga porque ele não queria me deixar sair de casa).

Nesse horário, o sol está nascendo no horizonte, ou para situar melhor no plano da astrogeografia, por trás dos prédios da zona oeste de São Paulo. Sempre gostei desse momento da manhã, em que o dia ainda está cheio de possibilidades e não se sabe o que vai brotar. Logo mais, tudo é muito claro, a luz aplana todas as possibilidades e o dia se torna realidade.

Foi numa dessas manhãs que elas chegaram, e me trouxeram uma felicidade imensa. Urbano que sou, não sei direito sua língua. Fico por perto, e tento não atrapalhar seu trabalho. Nem tudo são flores na nossa amizade. Nessa manhã, vieram acompanhadas de um alguém maior. Espalhafatoso, só o zumbido já derrubava as pétalas mais frágeis no chão. Mal humorado, me perseguiu casa adentro, eu em carreira desabalada. As abelhinhas pequenas parecem não se importar com as fotos. Já o pequeno filho de helicóptero que me perseguiu não é amigo de paparazzi.

Ah, as flores. Esqueci de falar delas. Perfumadas. Delicadas. Deixam cair as pétalas que já revelam o milagre de uma laranja brotando. Quando se forem, sentirei saudade das abelhas, que andam se fartando por aqui. Quem virá depois para apreciar os frutos? As manhãs são tão cheias de possibilidades.

(Atenção: gostaria de avisar que pequenos sabiás, pardais e colibris são bem-vindos. Gaviões, falcões e filhotes de caça supersônico devem assinar um termo de cessão de direitos de imagem).

umlitrodeletras

9 Comments

  1. Caro Sandro, quase dá para sentir o cheiro das flores. A Poesia quase niguém tem vergonha de não ler, os Contos e os Romances quase ninguém consegue deixar de ler, mesmo quando não gosta, já a Crônica (alguém disse que é uma forma de escrita essencialmente brasileira) não mente: ou é boa e a lemos sem perceber que estamos lendo, ou não resiste às primeiras falas. A sua é muito boa. Ricardo.

  2. Sandro, meu amigo letrado em litros…

    Preciso parar mais vezes para ler seus textos… um momento levitador de alma, de corpo, e de cabeça…
    Transportei-me para o quintal da casa da minha avó, que era grande, era em plena São Paulo, e que você consegue ter as mesmas árvores e plantas no seu apartamento!
    Laranjinhas kinkan, vc bem sabe, dão dos mais delirantes doces de laranja que existem.
    Mas as abelhinhas me encantam. As flores proncipalmente…
    Pra completar seu jardim e quintal, acho que só faltam as … joaninhas.
    (Sob o Sol da Toscana me achamou atenção para elas) .

    Um beijo, poeta!

  3. Em casa um pé de romã bacana, em um vaso imenso,ostenta um pezinho nanico mas promissor de nêsperas. Oxalá eles sejam tão poéticos quanto os seus. abs

  4. Parabens excelente texto poesia “agrourbana” adorei ainda msis por tb tentar uma experiencia em menor escala na minha varanda e tb amargo uma pimentinha q estava linda e muechou com as tsunamis de sp z.norte. Nao sou nina horta msd tb curti. Abco

  5. Sandro,

    Que surpresa boa esse seu blog, pensei que o drama com o manjericão e a cebolinha que insistem em ser persistentes fosse só meu 😉 Uma leitura deliciosa realmente. Parabéns. beijo grande

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