O pai, a filha e o fígado com lentilha

A mãe saiu domingo bem cedo e recomendou:
— Faz um arroz com lentilha pra menina. E não esqueça de comprar frango no supermercado. Vida dura essa de enfermeira. Um dia volto a ser uma pessoa normal.
O pai deu mamadeira pra menina, esperou ela fazer cocô – ficava aterrorizado com a possibilidade de ter que trocar a fralda bem no meio do supermercado. Onde deixar as compras? E se só tivesse mães no fraldário? E se a menina saísse correndo sem colocar a fralda, como faz em casa? E se sujasse a roupa?
Às 08:40, nenê trocada e com fita no cabelo, foram ao supermercado.
Primeira vez que ela ia no carrinho de brinquedo, com volante e portinha.
Sentiu-se a rainha do biscoito de polvilho, e fez questão de anunciar a realeza com gritinhos de alegria chamando a atenção dos passantes.
Após cinco minutos de passeio, já não quis ficar sentada. Meio miss (aqueles olhos verdes!), meio rainha da Inglaterra de fralda em carreata, ficou de pé e acenava para o que queria.
Hora de comprar carne. O pai pede um quilo de músculo, a menina reclama da súbita parada – parou por quê?.
“Corta o músculo aí que eu já volto!”.
O pai dá mais uma voltinha para distrair a menina, vai buscar o músculo, pega um frango e resolve comprar um vinho para si.
Já de volta em casa, faz o arroz com lentilha, acrescenta um fígado de frango. Faz o dobro de comida para não ter que voltar ao fogão na hora da janta. Afinal, é domingo.
E ainda falta decidir o que vai fazer de almoço para si mesmo.
Hora de comer. A rainha, impaciente como todas, reclama. Mal quer esperar a comida esfriar.
A menina no cadeirão, o pai na mesa. Comida cheirosa. Vai dando as colheradas para a menina, e de vez em quando rouba um pedacinho de fígado. Era um fígado grande mesmo, já tem bastante amassado no prato para ela.
Resolve abrir o vinho, e vai bebericando enquanto dá as colheradas para a filha. Que vinho gostoso. Super harmonizado com o fígado. Dá uma olhada para o prato, outra para a panela. Será que ela vai comer tudo? Apenas duas colheradas da panela não vão fazer falta para o jantar.
Ficou uma delícia, mas falta um pouco de mais de azeite e um pouco de pimenta-do-reino moída na hora.
Pega mais duas colheres da panela, acrescenta o azeite e a pimenta. Continua revezando entre o vinho, as colheradinhas para a menina, e as colheradas para si.
Termina a panela ao mesmo tempo em que a menina termina o prato.
Vai ter que voltar para o fogão na hora do jantar.

umlitrodeletras

0 Comments

  1. ai que delícia, que narrativa agradável…me transportei para a cena e até fiquei com vontade de comer fígado! Ah, por favor, mande fotos dessa gatinha linda!
    bjo
    Vanessa

  2. Estou gostando dos seus textos! Devia dar a receita desse prato, quem sabe eu me anime a comer fígado!

    Cheguei aqui pelo blog da Miki!)

  3. Oi, cheguei aqui pelo blog da Miki. Sei que este post é antigo mas não me controlei ao ler uma história familiar tão deliciosa que tive que comentar. Adorei.

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