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I see dead food

Avistei o garçom no final do corredor, caminhando em minha direção.
Apertei os olhos míopes e tentei adivinhar o que estava na bandeja.
Era um doce. Três camadas. Uma rosa, uma negra e uma dourada.
Nenhum receita que eu conhecia. Talvez algo de sabor exótico.
O garçom se aproximava.
Torta-mousse de olho de sogra com morango?
Terrine doce de quindim com ameixas e creme de melancia?
Pavê de amêndoas torradas com recheio de rosas e um toque de laranja?
Passa o garçom afoito.
Na bandeja, simetricamente dispostos em pratinhos, sachês de catchup, mostard e maionese.

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Um pacote de MMs

Comprei um pacote de MMs após o almoço.
Vim andando pela calçada –
listra preta, MM vermelho, listra branca MM laranja.
Uma quadra, atravessar a rua, entrar no prédio.
Por um momento, eu acreditei que era o Mário Quintana.
Acabaram os MMS antes de eu chegar ao elevador.
De repente tudo ficou sem cor.

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Eu vi o Kublai Khan!!!

Quarta-feira é aquele dia em que a quantidade de trabalho a ser executado faz parecer que a sexta-feira nunca vai chegar. Por isso sempre acreditei que é um excelente dia para um almoço “cabeça-gorda”. Não diminui o trabalho, nem faz a sexta-feira chegar mais rápido. Mas deixa qualquer um muito feliz.
Hoje resolvi conhecer o restaurante do Centro de Cultura Judaica, ao lado do Metrô Sumaré. Faz algumas semanas que eu tinha passado lá em frente e visto uma plaquinha: restaurante aberto ao público às quartas e sextas. Claro que meus neurônios gustativos imediamente registraram essa informação para uso futuro.
Não costumo convidar ninguém nessas primeiras visitas a um restaurante, já que sempre posso quebrar a cara. E também porque é legal aquele gostinho de Marco Polo – eu vi o Kublai Khan e vocês não viram!
Dessa vez, acabei arrastando a Gabi comigo, e não só vimos o Kublai Khan, como também o geffilte fish, o falafel, o borscht de espinafre, o cuscuz com favas e noque de semolina. A Simone, chef que é uma simpatia, explicou que se tratava uma refeição especial, com vários pratos a base de leite, para comemorar o Shabat.
Às 12:30, o restaurante estava vazio, o buffet montado fresquinho e ainda intocado. O Centro de Cultura Judaica é um prédio bonito por fora, um pouco frio por dentro, mas com um pé direito lindo, um espelho d’água, muito espaço vazio. E quilômetros de distância da Av. Paulista. Eu tinha certeza que ao sair ia dar no Central Park. Mas isso deve ser apenas uma ilusão provocada pelos incríveis blinis de queijo com sopa de frutas. Esta sensação alucinatória só ocorre, naturalmente, depois de você repetir os blinis, além de ter provado o pudim a base de arroz e amêndoas. Desconfio que o pudim leva água de rosas no preparo. Por isso tem gosto de jambo.
Você nunca comeu jambo? Nunca viu o Kublain Khan? Então sua sexta-feira vai demorar muuuuito para chegar.

(O Centro de Cultura Judaica fica no Metrô Sumaré. Abre às quartas e sextas, das 12:00 às 15:00 e a refeição custa bem menos que uma passagem para a China. Apenas 20,00.)

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Arroz-de-cuxá

Nunca experimentei.
Está na minha lista de comidas a serem experimentadas.
Mas lembrei desse prato em homenagem a Josué Montello, escritor maranhanse falecido nesta quarta, aos 88 anos.
Quando eu era criança, tinha um livro dele em casa. Não me lembro mais do nome. Mas lembro que li duas vezes.

“O arroz-de-cuxá é o prato típico da cidade de São José de Ribamar e é o orgulho maior da culinária maranhense. A base desta preparação é a vinagreira, (Hibiscus sabdariffa ) conhecida também como azedinha, caruru-azedo, quiabo-róseo, quiabo-roxo, quiabo-azedo e rosélia, oriunda da África”.
http://www.azeite.com.br/article.php?recid=266

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Receita para um pôr-do-sol

Domingo, seis da tarde, doze graus.
Ao longe, a Serra da Cantareira envolta em cinza.
Lá embaixo, os carros passam lentos. Os faróis molhados refletem poças de luz gelada na Avenida Sumaré.
Para redimir a tarde fria, é preciso inventar um pôr-do-sol.
Na cozinha, uma panela quente e duas colheres de azeite. O azeite esfumaceia, reclama a companhia da cebola e do alho. Envolve os dois no seu calor. A cebola chia promessas culinárias, fala mais alto que a garoa. O cheiro de alho sobe, pica e aquece as narinas.
O frango desce à panela e aprecia seu pequeno spa de azeite perfumado. Alecrim, tomilho, urucum e um cálice de cerveja preta.
Acrescenta-se à panela o sol picado em pequenos cubos simétricos – ou, se não houver, cenoura, batata e mandioquinha.
Pinta uma tarde dourada no fundo da panela.
Canela. Sal. Pimenta. E quando a água ferve, duas colheres de aveia.
A sopa borbulha, quente e cremosa. A tarde esquenta, e o sol se põe.

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Meu reino

Meu reino por um bolinho de chuva sequinho, passado na canela. Um café em xícara de ágata branquinha. Ter um livro do Drummond para ler, e não ler.

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Serendipity

Talvez seja uma vingança da língua inglesa. Ela não tem “saudades” mas tem “serendipity”, que precisa de meia dúzia de termos para ser explicada em português. De acordo com o dicionário, “serendipity” se traduz como “a faculdade de fazer, acidentalmente, descobertas felizes e inesperadas”. Ou seja, uma faculdade essencial para um cabeça-gorda: encontrar a comida perfeita no local inesperado, sem recomendação de amigo nem resenha de jornal.
Ontem, voltando do Brás, resolvi passar na Padaria São Domingos, no Bixiga, para comprar massas para o almoço. Nunca tinha ido lá, mas guardava a boa lembrança de um pão de linguiça que o Tung me trouxera de presente.
Achei a geladeira de massas meio pobre, abandonada na porta da padaria. O hit, pelo jeito, são mesmos os pães, que chegavam quentinhos e eram disputados por uma fila de pessoas. Entre pães, linguiças e queijos, tentei concentrar-me na vitrine, onde algumas empadinhas douradas e canolis sequinhos prometiam delícias. E foi então que avistei, no cantinho do caixa, um casal comendo uma espécie de pastel dourado com queijo escorrendo pelos cantos.
E agora? Tinha a certeza de aquele era meu momento de “serendipidade”, mas como evitar o mico de pedir um “igualzinho ao daqueles ali, ó”? Quando eles foram pagar, descobri que se tratavam de fogaças.
Virei para o atendente e com a segurança de um habitué, pedi:
“Duas fogaças, por favor!”.
“Da normal?”
Tentei calcular rapidamente qual a probabilidade de estar pedindo a fogaça certa, aquela que me deixaria instantaneamente feliz, e confiante como um connaisseur, respondi:
“Sim, naturalmente!”

Corri com o pacote quentinho para o carro, onde a Angela estava amamentando a Lívia (no caso, trata-se de uma cabeça-gordinha que fez reserva de mercado e só fica feliz com um tipo de alimento).
E então, ali mesmo na rua, saboreamos a felicidade da descoberta. Uma massa que eu não conhecia, lembra um pastel, mas com a textura de uma chipa, recheada com muito queijo mozzarela, um pouco de tomate e orégano. O queijo é do bom, gordo, que ao ser derretido desprende um fio de gordura dourada que escorre só para aumentar o prazer de lamber os beiços.
Não precisa se preocupar com as artérias. Elas sabem que, mais saudável que evitar excesso de óleo, é ser feliz!