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O fim dos bolinhos de chuva

Pode ser uma canjica. Pode ser um bolo de fubá quentinho. Pode ser um arroz cheiroso, recém-saído da panela, com um ovo frito de gema bem cremosa. Pode ser um bolinho de chuva com chá de erva cidreira fervido na hora pela sua mãe.

“Comfort food” é um nome para comidas que equivalem a um abraço e um colo. Comidas que lembram a infância, que acariciam o estômago e o coração. Cada um tem a sua favorita. Eu, para emergências, tenho sempre no freezer um caldo de frango feito em casa. Bastam uma cenoura picadinha e um punhadinho de macarrão para consolar algumas tristezas básicas.

Ontem foi um dia desses. Chego em casa, ponho o caldo para descongelar no micro-ondas e, 30 segundos depois, acaba a energia. Choveu em São Paulo o dia todo. Vários bairros sem energia e vários pontos de alagamento na cidade. Inclusive um na minha sala, que era o motivo pelo qual eu estava tão chateado.

A idéia era chegar, tomar um vinho, fazer uma sopinha e curtir os últimos minutos de maldades da Flora (metade da sala ainda estava seca, dava para ver TV). Passou meia hora e nada da energia voltar. Comecei a cogitar possibilidades. Sair para comer? Não era uma boa idéia. Eu é que ia virar comida de bueiro (ele também deve ter sua “comfort food” favorita). Cozinhar no escuro? Até dava para picar umas cenouras. Mas meu fogão tem acendimento elétrico e eu não tinha fósforos.

Acabei comendo duas castanhas, bebendo meia taça de vinho e indo dormir, desconsolado,  às 21:30. A energia só voltou no meio da madrugada. Mas aí já não era mais hora de fazer sopa.

Fui levar levar a Lívia para a escola ainda com fome. Ao deixá-la, lembrei que era dia de feira bem ali na esquina. Se já é gostoso comer pastel aos domingos, imagine em plena semana você sentar na barraquinha. Pastel de bauru, caldo de cana.  Sol entre nuvens, vento fresquinho. O dia pode ser bom.

Pensando bem, vou retirar bolinho de chuva da minha lista de comfort food. Por hora, fico com o pastel.  Bem sequinho!

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Chacoalhando lulas

Nunca me dei bem com peixes. Não os nascidos em fevereiro —  peixe nascido e pescado em qualquer época do ano me deixa imobilizado na cozinha. Começa com a dificuldade para comprar. Qualquer livro de dicas culinárias dirá que os olhos devem estar brilhantes. Aí você chega na banca e todos estão brilhando. Como saber quem está brilhando mais? Você olha para o peixe, e o peixe, nada.

Depois, na cozinha, aquele cheiro que deixa dúvidas e deixa rastros. Será que estava fresco mesmo? E o teflon que nunca é suficiente para dourar o peixe por igual, como peixe de comercial do McDonalds.

Por conta disso, nunca me arrisco além de um bacalhau. Afinal, esse você não precisa ver os olhos para saber se está bom. Aliás, você sequer se preocupa com a cabeça dele, que pelo que consta, ninguém nunca viu. Também faço alguns fritadinhos básicos com atum e saint-pierre, mas nada mais.

Como um bom aquariano, eu até deveria me dar melhor com  eles. Mas acho que vou precisar de uma aulinhas. Talvez uns 15 dias em Tóquio. Enquanto isso, só faço peixe quando a receita parece infalível.

Como a receita do livro novo do Alex Atalla, “Escoffianas Brasileiras”. Faz tempo que eu não lia um livro com tanta técnica e ingredientes desconhecidos. Tive que ler com o Google ao lado.

Mas a receita de lula era imbatível, praticamente impossível de errar: você pega uma quantidade de lulas, coloca água, sal grosso, gelo e chacoalha. Por 10 minutos. Depois troca a água, acrescenta mais gelo e chacoalha. Por mais 10 a 15 minutos.

Eu quase coloquei um samba como trilha sonora.  Aos cincos minutos de preparo, já não sabia se era eu que chacoalhava a lula ou se era ela que me chacoalhava. Estava me sentido a morena de Angola com chocalho na canela.

A promessa da receita é que as lulas ficarão crocantes por fora e cozidas por dentro. As minhas continuaram mal-cheirosas, molengas por fora e borrachudas por dentro.

Será que não estavam brilhantes o suficiente quando comprei? Será que cortei anéis grossos demais? Aliás, a receita pede para acrescentar as cabeças das lulas. Eu comprei lulas limpas, sem cabeça. Será que existe nas cabeças um ingrediente mágico indutor da cocção das lulas? Será que chacoalhei muito pouco?

Paro por aqui porque meuss braços dóem. Deixo a receita para quem quiser se aventurar. Eu fico com o bacalhau, que mesmo sem cabeça, sempre fica bom.

Lulas cozidas a frio

Ingredientes

1 kg de lulas de tamanho médio

1 balde de um litro com tampa

100 gr de sal grosso

150 gr de gelo

150 ml de água

Preparo

Limpe as lulas. Separe as cabeças e reserve. No balde, coloque o sal, o gelo, a água e as cabeças de lula. Sacuda o balde de forma irregular por aproximadamente 10 minutos. Troque a água, para diminuir a quantidade de sal. Se necessário, acrescente a mesma quantidade de gelo. Sacuda por mais 10 ou 15 minutos ou até criar uma espuma densa. Coe. Essa operação deixa as lulas cozidas (pela ação do sal) e crocantes ao mesmo tempo.

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A comida ou o comedor?

Frase da Nina Horta na Folha de São Paulo de hoje:

“Somos nós que, ao cozinhar, transformamos os alimentos? Pretensão besta: são as comidas que, enquanto cozinham, vão transformando o dia de quem está ali ao seu redor. Comê-las é só o epílogo.”

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Voando com fome

Meu blog está quase fazendo aniversário. Um ano sem nenhum post novo, desde que contei sobre o vôo que perdi em Paris por causa de um torrone.

Obviamente não parei de comer, mas os amigos mais chegados sabem o que andei fazendo que me impediu de cozinhar e escrever.

Os leitores assíduos, que devem ser uns três, reclamaram no início. Depois se calaram.

Nesse meio de tempo, algumas poucas aventuras. Como o dia em que fui expulso de um restaurante coreano no Bom Retiro. E o dia em que resolvi fazer uma receita de merengue suíço e fui parar no pronto-socorro com uma baita queimadura – minha mão doendo estupidamente, o merengue pronto para virar suspiro, eu procurando minha carteirinha do plano de saúde e gritando com a Ângela: “Cuida dos suspiros no forno?” E tem ainda o dia feliz em que comprei um super forno Lofra. Que estou louco para estrear com um carneiro assado.

De volta às viagens, peguei hoje cedinho um vôo para Recife. Na parada obrigatória da LaSelva, fui procurar uma revista de negócios e acabei comprando uma Food&Wine. Ler revista de gastronomia com fome é um ato de masoquismo. Tentei me concentrar numa matéria sobre sustentabilidade – a Food&Wine está bem sintonizada com o assunto – mas o apelo das fotos de receitas foi maior.

E às 9:30, nada da TAM servir o café da manhã.

Até que ouço a voz gentil da comissária disser que a TAM “teria a gentiliza de nos oferecer o ‘Ares da Manhã’, um café da manhã ‘excluviso’ para deixar meu dia ‘mais alegre e descontraído’ (os adjetivos não são meus, são do encarte que vinha junto com o café da manhã).

Pensei nos ovos florentinos que comi em Londres. No bolo de fubá quentinho da minha sogra. Nas empadas de frango com palmito da minha mãe. Nos baurus do Tio Osvaldo.

E aí, claro, acordei.

O café da manhã da TAM tinha uma salada de frutas com 3 cubos de mamão, 6 pequenos cubos de abacaxi e 2 cubos de melão. Um bolinho doce, do tamanho de um brigadeiro. E um lanchinho de peito de peru.

Vou comer um pedaço da revista.

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Comer Paris em um dia (sem garfo)

Minha mãe sempre disse que mineiro é muito prevenido e detesta passar fome. Quando pegar o trem, não deixa de levar um farnel. Vai que o trem atrasa. Vai que não encontra comida. Vai que.

Foi pensando nisso que minha mochila de viagem tinha até barrinha de cereal. Com uma agenda de reuniões bem apertada em Londres, vai que não dá tempo de comer um sanduíche.

Antes de Londres, entretanto, tirei um dia para passear em Paris, e conhecer uma lenda da gastronomia – o Cordon Bleu. Me inscrevi para um workshop de molhos. Ou atelié de sauces, que soa mais saboroso.

O workshop, embora de técnicas básicas, foi bem puxado. São cinco horas em pé, para fazer quatro molhos e três pratos, sem muito tempo para anotar. Mas não cortei o dedo, não derrubei nada em nenhum dos outros treze alunos e não me queimei (muito).

Lá pela segunda receita eu fui perceber que a apostila só tinha os ingredientes, e não a ordem de preparo. Ao fim do dia, as receitas ficaram todas embaralhadas na minha cabeça.

Mas tinha feito um filé de frango au sauce bordelaise, um peito de pato ao molho de laranja e um lagostim com um molho delicioso feito a base de caldo de peixe, tomate e erva cidreira, além de uma porção de pesto. Como já havia saído do hotel, não tinha para onde levar os pratos. Acabei dando para o Francis, o único francês de turma, que me convidou para jantar na casa dele semana que vem.

Claro que guardei o lagostim. Comprei um pão de cereal, sentei à margem do Sena ouvindo jazz e… cadê o garfo? Tive que pescar os lagostins com o pão, espirrando molho na minha roupa. Completei com uma torta de ruibarbo comprada na Île de Saint Louis e fui dar a última voltinha antes de ir para o aeroporto. Meu võo para Londres partiria às 20:00.

Já no área de embarque, às 19:20, entrei numa loja de gastronomia para apenas dar uma espiada. Comprei um torrone de castanhas e figos secos, pensando em comer apenas metade e guardar o resto para depois. Peguei uma revista, sentei. O torrone estava uma delícia. Macio, sgem doce em excesso. Eu me lembro de ter terminado de comer às 19:50, achando estranho que o vôo ainda não estivesse anunciado. Como um bom mineiro, já tinha “calçado” o estômago. Como um bom paulista, sabia que vôos se atrasam.

Quando fui me informar, às 20:10, descobri que o vôo tinha partido às 20:00. Pontualmente.

Minha mãe sempre me disse que mineiro é prevenido. Nunca esquece de levar um lanche, chega bem antes na estação de trem. E depois do lanche, cochila e perde o trem.

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Comer Belém de colherinha

Acordar às seis para chegar ao aeroporto às sete para pegar um vôo às oito que, na verdade, só vai sair às nove. Em viagem de trabalho você aprende duas ou três coisas sobre a cidade com o taxista no caminho do aeroporto ao hotel, espia a vista pela janela (quando dá a sorte de pegar um quarto num andar alto) e fica o restante do tempo trancado em uma sala trabalhando. A arquitetura dos hotéis é medieval: as salas de eventos ficam no subsolo, uma espécie de masmorra moderna, semi-iluminada, onde você fica acorrentado a um powerpoint e de tempos em tempos carcereiros de gravata borboleta trazem um café preparado horas atrás e petit-fours de origem duvidosa.

A sorte é que podem te impedir de conhecer a cidade, mas de comer ninguém impede. E eu tinha dois dias inteiros para comer Belém!

Chegamos bem na hora do almoço. Comida de hotel é sempre meio burocrática, mas deu para montar um “menu degustation” local: feijoada com maniçoba, arroz paraense, pato no tucupi e moqueca de filhote. De sobremesa, bolo podre, creme de cupuaçu e bolo podre de novo, porque era perfeito para acompanhar o café. Esse bolo é feito de coco e tapioca.

Seis horas e e dois powerpoints depois, saímos para jantar. O Marcelo já tinha me falado do Manjar das Garças, um restaurante à beira do rio Manguá, dentro de um parque antes de acesso restrito à marinha.

Conseguimos um lugar na varanda, com silêncio e brisa do rio de acompanhamento, e pedimos o menu confiance – seis pratos inesquecíveis, com ingredientes locais, montados pelo Alexandre Righetti, chef paulista que comanda o restaurante. Não preciso dizer que eu comi devagar, não deixei uma migalha no prato e ainda devorei uma sobremesa que o Marcelo não gostou. Afinal, quando é que eu teria a chance de voltar àquele lugar?

No dia seguinte, muito trabalho, pouco almoço, mas a missão cumprida exigia uma comemoração. E alguém dá a idéia: por que não vamos ao Manjar das Garças. Quando a seqüência de pratos começou a desfilar na mesa, comecei a duvidar do ditado que diz que um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar.

Lá estavam o mil-folhas de salmão com espuma de alho, o filhote grelhado com cogumelos, o granité de jambu com limão e o melhor talharim que já comi na vida. O granité é uma invenção do chef, que combina jambu (a erva paraense que anestesia a língua) com suco de limão, para limpar o paladar entre a seqüência de carnes branca e a de carnes vermelhas. O talharim eu não resisti e perguntei o segredo: a massa é aberta, cortada e cozida na hora, o que confere uma textura com uma maciez inigualável.

O vôo só partia às 02:30 da manhã, e no aeroporto ainda foi possível experimentar alguns sorvetes de frutas locais: murici, bacuri e claro, cupuaçu, além de comprar bombons de castanha.

Na bagagem, ainda trouxe um pote de sorvete de tapioca, que estou comendo de colherinha para não acabar logo.

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Avisem o sindicato dos lactobacilos


Eu, perdido no meio de um congresso de cardiologia. Fui acompanhar a Ângela no lançamento de um livro para o qual ela escreveu um capítulo. Ela cumprimentava os amigos e eu ali no meio, procurando o que fazer.
Tentei o stand de livros: “Cuidados Avançados de Enfermagem”. “Traqueostomia em 10 lições”. “Meu primeiro transplante”. Hmmm… não é exatamente o que gosto de ler.
Stand de DVDs: “Concorra a um DVD grátis com todas as palestras do congresso.” Não, não.
E quando já ia desistindo de encontrar algo para fazer — a melhor opção era mesmo assistir à palestra de Circulação Extracorpórea — não é que descubro stands de comida?
Estavam lá a Becel, com suas margarinas insípidas que fazem questão de lembrar que a comida ou é boa para o coração ou é boa para o estômago. Nunca para os dois. Passei adiante. Ao lado, um stand do ADES. Experimentei o ADES de banana. Gostei.
Lá no fundo, um stand da Batavo. Experimentei o Batavo BioFibras, um concorrente do Activia que diz ser menos calórico. É bem cremoso, não é excessivamente doce e ainda tem dois lactobacilos funcionais. Diz o folheto que eles passam intactos pelo estômago e chegam vivos ao intestino.
Fiquei surpreso que sejam apenas dois. Afinal, sempre achei que tomando Yakult eu estava ingerindo uma colônia inteira de lactobacilos. Se o BioFibras consegue reestabelecer o equilíbrio da flora intestinal com apenas dois, deve ter muito lactbacilo desempregado.Será que o sindicato está sabendo disso?

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Enigma elementar — ou alimentar? (1)

Um quarto de andorinha…
Será a sua pata
ou será uma asinha?
Se fosse uma empada,
eu comia todinha!

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Ensino à distância

O automóvel cruza as estradas do Brasil central.
Gostaria de dizer “o automóvel cruza velozmente as estradas do Brasil central” – uma abertura muito mais cinematográfica, mas os buracos e ondulações da estrada não permitem esta velocidade.

O carro cruza as estradas como pode, e às cinco da tarde do sábado de outono, pelo menos o céu é amplo e a luz do sol doura intensamente os campos de soja à espera de um Van Gogh para retratá-los.
Dentro do carro, os quatro professores tentam definir o dourado: parece uma pamonha quentinha? A crosta reluzente de uma empadinha de frango? A superfície lisa e cremosa de um curau?
O motorista relata as incríveis variações de pamonha que podem ser encontradas em Brasília: pamonha com lingüiça e queijo. Pamonha com lombinho de porco e muita cebolinha. Com pimenta. Sem pimenta.

O sol desce um pouco mais e sua luz fica mais escura. Cor de pão quentinho saindo do forno. Ou cor de um nugget de frango. A fome também cria miragens, e os pés de milhos esguios e ressecados contra o sol parecem um imenso arco do McDonalds.

O aeroporto de Brasília está fechado, e os quatro professores ansiosos para voltar para casa decidiram alugar um carro, contratar um motorista e rodar 1.100 km até São Paulo. Saíram sem almoço, apenas com o tempo de pegar algumas garrafas d’água e meia dúzia de pães de queijo murchos que sobraram do lanche.
Partiram às duas da tarde, e logo começaram a suceder-se as placas na estrada. Pamonhas. Pão com linguiça a 500 mts. Pão com lingüiça caseira a 300 mts. Pão caseiro com lingüiça caseira a 200 mts. Amplos toilets, os melhores da região. Tanto anúncio de toilet lança uma dúvida sobre a qualidade da vigilância sanitária da região.

A primeira parada é em Catalão de Goiás, num posto à beira da estrada. O amigo de todo viajante é um churrasquinho – pão francês, filé e queijo, com o pedido adicional de um tomate. Mas há também quem não resista a um pastel frio. Biscoitos de polvilho, Eskibon de sobremesa, mais água e balas de hortelã – doze horas sem banho, ao menos o hálito vai ficar fresco.

Na segunda parada, em Minas Gerais, tentam comprar queijo, para levar um “agradim” às famílias. As casas especializadas já fecharam (como dormem cedo estes mineiros!). O jeito é comprar mesmo um queijo-de-minas no Pão de Açúcar 24 horas. Ninguém vai ficar sabendo da verdade.

Já no estado de São Paulo, uma parada rápida. Agora é a vez do carro se abastecer. Ninguém desce. O trato é tomar um lanche rápido mais tarde, no Frango Assado da Bandeirantes

Às 21:00, quem ainda está acordado volta a ver miragens: lagos viram suculentas canjas de galinha. Árvores iluminadas pela lua cheia parecem palitos de batata frita.

Já de madrugada, os viajantes param no Frango Assado. Café com leite, pão sovado na chapa. O pão sovado merece detalhes: é uma fatia grossa, com pouca manteiga, passada na chapa o suficiente para aquecer e ficar com as bordas levemente escuras. Lembra um colchão quentinho e macio. Ou isso já era outra miragem?

Chegam em São Paulo às 3:00 da madrugada. Impossível negar que foi divertido. Viveram, na prática, o que se chama por aí de ensino à distância.

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O pai, a filha e o fígado com lentilha

A mãe saiu domingo bem cedo e recomendou:
— Faz um arroz com lentilha pra menina. E não esqueça de comprar frango no supermercado. Vida dura essa de enfermeira. Um dia volto a ser uma pessoa normal.
O pai deu mamadeira pra menina, esperou ela fazer cocô – ficava aterrorizado com a possibilidade de ter que trocar a fralda bem no meio do supermercado. Onde deixar as compras? E se só tivesse mães no fraldário? E se a menina saísse correndo sem colocar a fralda, como faz em casa? E se sujasse a roupa?
Às 08:40, nenê trocada e com fita no cabelo, foram ao supermercado.
Primeira vez que ela ia no carrinho de brinquedo, com volante e portinha.
Sentiu-se a rainha do biscoito de polvilho, e fez questão de anunciar a realeza com gritinhos de alegria chamando a atenção dos passantes.
Após cinco minutos de passeio, já não quis ficar sentada. Meio miss (aqueles olhos verdes!), meio rainha da Inglaterra de fralda em carreata, ficou de pé e acenava para o que queria.
Hora de comprar carne. O pai pede um quilo de músculo, a menina reclama da súbita parada – parou por quê?.
“Corta o músculo aí que eu já volto!”.
O pai dá mais uma voltinha para distrair a menina, vai buscar o músculo, pega um frango e resolve comprar um vinho para si.
Já de volta em casa, faz o arroz com lentilha, acrescenta um fígado de frango. Faz o dobro de comida para não ter que voltar ao fogão na hora da janta. Afinal, é domingo.
E ainda falta decidir o que vai fazer de almoço para si mesmo.
Hora de comer. A rainha, impaciente como todas, reclama. Mal quer esperar a comida esfriar.
A menina no cadeirão, o pai na mesa. Comida cheirosa. Vai dando as colheradas para a menina, e de vez em quando rouba um pedacinho de fígado. Era um fígado grande mesmo, já tem bastante amassado no prato para ela.
Resolve abrir o vinho, e vai bebericando enquanto dá as colheradas para a filha. Que vinho gostoso. Super harmonizado com o fígado. Dá uma olhada para o prato, outra para a panela. Será que ela vai comer tudo? Apenas duas colheradas da panela não vão fazer falta para o jantar.
Ficou uma delícia, mas falta um pouco de mais de azeite e um pouco de pimenta-do-reino moída na hora.
Pega mais duas colheres da panela, acrescenta o azeite e a pimenta. Continua revezando entre o vinho, as colheradinhas para a menina, e as colheradas para si.
Termina a panela ao mesmo tempo em que a menina termina o prato.
Vai ter que voltar para o fogão na hora do jantar.