Imagine uma estrada em meio à serra. Plátanos e araucárias acompanham curvas estreitas e vagarosas.
Imagine uma pequena ponte de madeira, uma vila com casas de pedra em semicírculo, uma fonte no meio.
Imagine um jardim de hortênsias azuis e ao fundo um galpão de tijolos avermelhados. De dentro do galpão, pela porta envidraçada, você vê as colinas onde cai uma chuva tão mansa que parece névoa suspensa no ar. E o cheiro picado de grama e chuva e frio é substituído pelo aroma penetrante e adocicado de alho, noz moscada e creme de leite.
Imagine, por fim, que toca uma trilha sonora baixinha, romântica e perfeita. E que você está acompanhado de um grande amor.
Era mais ou menos assim que eu queria comemorar meu aniversário na semana passada. Ou seja, acompanhado da Ângela e da Lívia, e de uma refeição inesquecível.
Mas eu vinha de uma semana de comida mais ou menos. Comida mais ou menos é aquela comida sem inspiração que você é obrigado a comer quase todo dia quando trabalha. Ou comida pretensiosa, que gostaria de ser fina não passa da boa intenção (conhecem o velho ditado: “De boas intenções, a seção de congelados está cheia”).
Eu almoçara no Ça Va com a Mônica Tutiya, celebrando seus novos rumos profissionais. Mas a comida do Ça Va, bistrô acolhedor que fica próximo à Avenida Paulista, é bem mais ou menos. Se quiser ir, leve boa companhia, peça vinho e esqueça a comida.
Na sexta-feira, dia do meu aniversário, tive um almoço de trabalho com a Gabriela Romeu, repórter do caderno infantil da Folha de São Paulo, Renata Bortoleto, que cuida do Brincando na Rede, e a Regiane, nossa assessora de imprensa. O almoço foi bom e o papo foi ótimo. Mas o bacalhau do “Gato que Ri” era apenas mais ou menos. Apresentação sem graça, arroz derramado sobre o prato sem cuidado. E as meninas todas de regime que me deixaram constrangido de pedir um pudinzinho na sobremesa.
Minha chance de uma boa refeição de aniversário estava, portanto, em Cunha, onde fomos passar o fim de semana. Chegamos tarde, tomamos apenas uma sopinha de fubá. No dia seguinte, o programa era visitar as cerâmicas da cidade, quem sabe ver alguma abertura de forno. Eu que já imaginava pão quentinho fui avisado pela minha irmã artista que forno, em Cunha, significa belas cerâmicas. E obviamente, à noite, um bom jantar.
O almoço foi ótimo, com direito a bife acebolado e tubaína, no Restaurante da Dona Francisca, uma portinha ao lado do Mercado Municipal. As cerâmicas são lindas. Mas o jantar me deixou decepcionado, e eu só tinha o domingo para ainda tentar encerrar uma semana com o prato dos meus sonhos.
Pergunta dali, pergunta daqui, e finalmente encontrei uma indicação que parecia boa: imagine uma estrada em meio à serra – estreita, de curvas vagarosas, acompanhada por plátanos e araucárias. Uma pequena ponte de madeira, uma vila com casas de pedra em semicírculo, uma fonte no meio. Um jardim de hortênsias azuis e ao fundo um galpão de tijolos avermelhados. De dentro do galpão, pela porta envidraçada, você vê as colinas onde cai uma chuva tão mansa que parece névoa suspensa no ar. E o cheiro picado de grama e chuva e frio é substituído pelo aroma penetrante e adocicado de alho, noz moscada e creme de leite. Imagine, por fim, que toca uma trilha sonora baixinha, romântica e perfeita. E que você está acompanhado de um grande amor. Ou de dois.
O chef do Villa Favorita é Ernani Tedeschi, que antecipando-se à abertura de sua própria pousada, inaugurou um restaurante. Ex-engenheiro, autodidata na cozinha, prepara massa fresca, sovada à mão, com ovos caipiras e receitas de família. A Ângela comeu um ravióli de bacalhau. Eu comi um ravióli de funghi que me chamou a atenção pelo equilíbrio de tempero. Funghi raramente é minha escolha em restaurantes, porque é comum o gosto forte sobrepor-se a todo o restante do prato. O ravióli de Ernani, além da massa fresca e deliciosa, tinha um sabor equilibrado, com um recheio de carne moída bem fininha, quase cremosa na sua textura, de onde escapavam pequenos pedaços de cenoura e cebola fininha.
A Lívia acordou, com fome, quando a conta já estava na mesa. Acabamos ficando mais um tempo enquanto Ernani preparava um talharim a bolonhesa. Que a Lívia não comeu inteiro e me deu a chance de um repeteco.
Imagine uma estrada sinuosa, uma cidade do interior, com uma praça e uma igreja matriz. Imagine velhos sentados, pipoqueiros e o alto-falante da igreja ressoando piano pela praça. A Ângela e a Lívia sentadas no banco, comendo pipoca. Eu, pensando nos caminhos que vou trilhar nos próximos trinta e sete anos.
Imagine se dou a sorte de encontrar uma estrada sinuosa, uma ponte de madeira, uma cozinha de pedra…
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O Villa Favorita fica no km 65,2 da Estrada Cunha-Paraty.