Bairro

No alto-falante, uma sequência de Cindy Lauper, Sade e U2. Depois Simply Red, mas não se ouve bem porque o lugar já está lotado e o único garçom se desdobra para atender a todos.

Pelo som, parece uma discoteca dos anos 80, mas é apenas um bar, Taberna de Moncloa às dez da manhã do sábado, as pessoas chegam para tomar café. Desisti de passar o fim de semana em Barcelona e declinei um convite para ir a Toledo, porque já começo a ter dificuldade para processar palácios, castelos e monastérios. Preciso de calma de bairro, de comerciantes varrendo a porta da loja e limpando vitrinas, pessoas com carrinhos indo às compras, sou capaz até de sorrir para gente passeando com cães.

 O garçom dispara pedidos para a cozinha –  “trés pulgas de tortilla y una tostada!”, “una tostada con tomate y una pulga de ensalada de cranguejo!”, tira cafés, responde aos cumprimentos e faz brincadeiras com os clientes mais conhecidos. Atende um fornecedor que chega com caixas e caixas de batatas e ovos, assina o pedido, volta ao balcão e me serve um café por engano – o cliente ao lado também usava chapéu. Coloca a louça na máquina.

 Eu leio, ou quase leio, e observo o vaivém de copos no balcão. Café com leite para alguns, cerveja para dois tempraneros que pedem sanduíche de caranguejo, Coca-Cola para uma turma de estudantes que comem tortillas. A trilha sonora me ajuda a colocar os pensamentos em ordem, Queen, faz parte do meu bairro mental,  são ruas conhecidas em que não preciso de mapa ou GPS, não há monumentos nem ângulos perfeitos para fotografia, apenas as mesmas ruas que cruzam sem fim as mesmas ruas.

Ao sair me despeço do garçom pelo nome, gracias Luis, hasta luego, venga, de nada. Descendo a rua encontro a livraria Altaïr, especializada em literatura de viagem, sou engolido pela estantes com guias de todo o mundo. A cidade é uma armadilha.

umlitrodeletras

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